O ESPELHO

Ao se olhar no espelho viu um reflexo diferente, reflexionou-se a si. Ao se olhar nos olhos, penumbres, já não eram mais castanhos. Reflexo. Questionou ao espelho: - Quem é você? - Como resposta ouviu um silencio tênue. O espelho sabia que a imagem já era agressiva demais para se expressar com palavras, sejam lá quais fossem.

– Velho! Exclamou o espelho.

– Quem é velho? O espelho. Disse ele.

– Assim espero.

Há oitenta anos quando se olhou nesse mesmo espelho, o espelho era tão novo. Seu reflexo era tão novo, sua alma era tão nova. E lembraste de um tempo mais antigo ainda, quando era apenas uma criança que brincava com esse espelho, imaginando existir ali uma outra dimensão, onde por de trás do espelho um outro ele ali vivesse, e uma outra escola ali frequentava, uma outra vida ali vivia, uma vida onde as coisas das quais em seu mundo davam errado, e lá davam certas.

Com sua bengala e sua cara enrugada, olhou no espelho e viu descer uma lagrima. Com sua cara e sua lagrima quebrou o espelho com a bengala. E entre cacos no chão se viu em mais de uma dimensão. Caiu no chão e acordou no mundo dos espelhos, onde toda sua vida se refletia em espelhos enormes. Era o inferno. E o inferno era reflexo de sua vida, o inferno era o espelho e o espelho era o inferno.

É a imagem no espelho. É o espelho que reluz a imagem.

- Velho, qual imagem quer ter um espelho? Perguntou um dos reflexos dos cacos no chão.

- Velho, viveu uma vida podre, queria agora e se sentir jovem e feliz? Disse outro reflexo.

Um pedaço, o maior pedaço no chão, que refletia bem o rosto do velho: os olhos fundos do velho, as rugas do velho, o nariz grande e áspero do velho, a careca e os poucos cabelos que eram brancos. Esse pedaço grande de reflexo do velho disse:

- Velho, quando era criança, víamos aqui uma fruta verde que estava se formando. Não era doce, não era azeda, não tinha gosto de nada. Velho, quando os pelos em sua cara cresceram víamos aqui uma fruta madura, boa, ou má, dependia de quem a experimentasse. Mas essa fruta não foi colhida, ficou na árvore, foi amadurecendo cada vez mais, passando do ponto, passando da hora da colheita. Velho, fruta que não é colhida, que passa da hora, amadurece e depois apodrece, cai no chão e os vermes a comem.

O velho com as mãos ensanguentadas, por causa dos cacos do espelho, debruçou sua cabeça no chão.

Vagarosamente foi fechando seus olhos, e enquanto fechava seus olhos, o reflexo do espelho foi se apagando, refletindo apenas os objetos do quarto. O velho fecha por completo seus olhos, o velho dá seu último suspiro.

O bafo quente borra o pedaço de espelho perto da sua boca.

O velho morre.

Brenner Vasconcelos Alves
Enviado por Brenner Vasconcelos Alves em 12/08/2018
Reeditado em 13/08/2018
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