SÃO SILVESTRE

Desde garoto ouvia falar da corrida e não me interessava, nunca brasileiros venciam; até que em 1980 venceu José João da Silva, quando a corrida ocorria na virada do ano, de modo que os festejos se fundiam. Cinco anos depois ele foi bicampeão e eu, fã da prova. Na verdade comecei a acompanhá-la um pouco antes de José vencer,e como passei a correr nas ruas vez ou outra, fantasiava ser o primeiro brasileiro a ganhá-la e fui, venci em 1978, ovacionado por uma grande multidão, quando a prova transferiu-se para a avenida Fundo do vale, daqui de São José dos Campos. Iniciei a prova antes do viaduto Raquel Marcondes, saudado por enorme massa de pessoas que já sabia antecipadamente de minha vitória, acenei-lhes sorridente. No caminho pensei no quanto corria melhor do que os outros, não os via sequer na retaguarda, talvez porque fosse o The Flash ou algo que o valha: Carl Lewis,Usain Bolt, Jesse Owens e mesmo Ben Johnson dopado não eram nada se comparados comigo, cujo corpo perfeito e jovem, equipado aerodinamicamente e com um motor turbo metabólico faria o Supermacho de Alfred Jarry morrer de inveja. Não bastasse isso,ainda era lindo e ao final da carreira atlética bem que poderia ser astro de Hollywood e ser amante, simultaneamente de Farrah Fawcett Majors e Brookie Shields e, do jeito que era gostosão, acho que até descolaria um caso com Paul Newman e Robert Redford, porque era mais esperto do que Einstein ou Thomas Alva Edson, enfim, era algo muito acima de um legítimo ariano de Hitler!

No transcorrer do percurso, porém, o fôlego dava sinais de falência, pois por uma questão de honra era forçoso que batesse o recorde mundial triplicando a redução de tempo anterior, não podia decepcionar o povo confiante em meu desempenho, que poria no lixo, finalmente, o nosso complexo de vira-latas. As passadas agora penosas davam-me a visão da reaproximação do viaduto Raquel Marcondes. Já vira o Sol alvorecer na altura da Sebastião Gualberto e Apolo me acenara de sua carruagem, enviando-me beijos apaixonados, com a anuência de Helius. Eolo tratou de me refrescar com sopros de ventos e toda a multidão se dissipou para retornar ao Hades, onde sou idolatrado como o mais perfeito atleta surgido desde a Grécia Antiga.

Afrodite me premiou com uma guirlanda de oliveira e os mortais comuns não fazem nem ideia da joia que sou, reservo-me aos deuses e semideuses porque não sou para o bico dos comuns dos mortais. Sou o preferido de Zeus, é o que basta.

Camilo Jose de Lima Cabral
Enviado por Camilo Jose de Lima Cabral em 15/08/2018
Reeditado em 15/08/2018
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