Hipocrisia

Hipocrisia significa fingimento, falsidade; fingir sentimentos, crenças, virtude que na verdade não se possui. A palavra derivou-se do latim e do grego onde significava a representação teatral onde os atores usavam máscaras de acordo com o papel que representavam em uma peça. Só mais tarde é que passou a designar pessoas que representam e que fingem comportamentos, ou seja; hipócrita passou a ser quem oculta a realidade através de uma máscara de aparência. Um hipócrita geralmente finge possuir boas qualidades para ocultar seus defeitos, por isso é também conhecido como uma pessoa dissimulada.

O moralista Francois de La Rochefoucauld resumiu de maneira sarcástica, porém brilhante, a essência do comportamento hipócrita quando disse: “A hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude”.

Na bíblia, principalmente no novo testamento, os hipócritas são lembrados em várias passagens. Em especial, destaco a representação caricatural referente ao grupo dos fariseus descrito em Mateus 23: 13 - 15:

“Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que fechais aos homens o reino dos céus; e nem vós entrais nem deixais entrar aos que estão entrando.

Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que devorais as casas das viúvas, sob pretexto de prolongadas orações; por isso sofrereis mais rigoroso juízo.

Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o fazeis filho do inferno duas vezes mais do que vós.”

O islâmico pensador sufi, poeta, astrônomo e matemático Omar Khayyam que viveu entre 1048 e 1131, em um de seus poemas, referindo-se a religião, lança – a meu ver – um alerta para a hipocrisia praticada, não apenas dentro da sua religião, mas também de todas as outras de um modo geral:

“No Paraiso, nos contam, vivem as huris,

E jorram fontes de vinho e oximel:

Se estes prazeres são lícitos no mundo por vir,

Certamente é legítimo amá-los também aqui...

Não dês atenção à suna, nem à lei divina:

Se aos pobres sua parte concedes

E jamais injurias alguém, nem o prejudicas

Eu te asseguro o céu e, agora, um pouco de vinho!...

Nas tavernas, comungo melhor Contigo,

Do que orando nas mesquitas sem conseguir ver Tua face!

Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592) em Ensaios - Da vaidade, nos fala sobre:

“A Hipocrisia do Ser

Para que servem esses píncaros elevados da filosofia, em cima dos quais nenhum ser humano se pode colocar, e essas regras que excedem a nossa prática e as nossas forças? Vejo frequentes vezes proporem-nos modelos de vida que nem quem os propõe nem os seus auditores têm alguma esperança de seguir ou, o que é pior, desejo de o fazer. Da mesma folha de papel onde acabou de escrever uma sentença de condenação de um adultério, o juiz rasga um pedaço para enviar um bilhetinho amoroso à mulher de um colega. Aquela com quem acabais de ilicitamente dar uma cambalhota, pouco depois e na vossa própria presença, bradará contra uma similar transgressão de uma sua amiga com mais severidade que o faria Pórcia.

E há quem condene homens à morte por crimes que nem sequer considera transgressões. Quando jovem, vi um gentil-homem apresentar ao povo, com uma mão, versos de notável beleza e licenciosidade, e com outra, a mais belicosa reforma teológica de que o mundo, de há muito àquela parte, teve notícia.

Assim vão os homens. Deixa-se que as leis e os preceitos sigam o seu caminho: nós tomamos outro, não só por desregramento de costumes, mas também frequentemente por termos opiniões e juízos que lhes são contrários.”

Conclusão:

Nem sempre é fácil identificar um hipócrita. O diabo é capaz de citar as escrituras quando isso lhe convém, já dizia Shakespeare. No entanto Nathaniel Hawthorne nos lembra que ninguém pode, por muito tempo, ter um rosto para si mesmo e outro para a multidão sem no final confundir qual deles é o verdadeiro.

Os pensamentos aqui ilustrados são de séculos e até milênios atrás, no entanto continuam atuais. Isso demonstra que, na essência, evoluímos muito pouco ao longo do tempo.