Uma senhora paciência

Comprar um aparelho telefônico, desses fixos que se usava normalmente em casa, pode não ser tarefa tão fácil hoje, talvez porque o objeto não tenha mais grande procura no mercado. Penso que só isso explicaria tamanha complicação para adquirir o produto.

Pesquisados modelo e preço na internet - como não quero contar com o tempo de entrega das compras on-line, que é algo ainda problemático - dirijo-me à loja, decidida acerca do que pretendo levar pra casa. O que sairia por R$ 99,90 e aproximadamente 20 minutos da minha preciosa manhã de sábado, acabou custando mais de uma hora de um teste de nervos surpresa.

Aponto na vitrine, trancada à chave, o modelo desejado. A atendente diz que só é responsável pelos aparelhos de celular e pede para que eu aguarde por outra vendedora. Após um considerável tempo de espera, meus dedos impacientes começam a tamborilar involuntariamente sobre o vidro. O gesto parece motivar a jovem a pedir que seja anunciado o comparecimento da colega ao balcão: “Responsável pela vitrine da Figueiredo, favor comparecer ao mesmo”. Meus ouvidos sensíveis de professora de Português só ouviram os ecos do mau uso do vocábulo mesmo, mesmo, esmo, esmo... E antes que eu pudesse me recuperar, mais um golpe: “Responsável pela vitrine da Figueiredo, favor comparecer ao mesmo”. Ao todo foram três pancadas. Perseverei sem fazer cara feia, afinal, eu não estava ali pra corrigir ninguém, só queria substituir a antiguidade em teclas quebradas que eu tinha em casa por um aparelho novo.

Enfim surge ela, sem pressa alguma, a desfilar calmamente pela seção de eletrodomésticos, perguntando desde longe quem estaria chamando, como se estivesse sendo importunada em momento impróprio.

­ - Trouxe a chave, Greyce? Essa senhora aqui quer um telefone.

(SENHORA! Sujeito simples e claro, no caso, EU). Que mulher com mais de trinta anos gosta de ser chamada assim por outra da mesma idade? Era o que me faltava naquele dia...

­ - Que chave? Não está com você? Era pra trazer?

No balãozinho invisível acima da minha cabeça lia-se: "Não era pra trazer a chave não, responsável pela vitrine, era só pra vir aqui e olhar pra cara dessa senhora primeiro e depois sim trazer a bendita chave!"

Depois de mais um tempo de espera, consegui por as mãos na preciosa caixa do aparelho. A fila para pagar, antes pequena, agora devia ter mais de dez pessoas, Murph não dorme mesmo...

Minha vez! Quando pensei que tudo estava resolvido, notei que o preço anunciado não correspondia ao registrado pelo caixa e reclamei.

­ - Senhora, vou estar chamando um funcionário para verificar o preço pra senhora, só um minutinho, senhora.

Depois desse quarto golpe com requintes de gerundismo, quase à beira de um ataque de nervos, a senhora aqui teve de aguardar mais um pouco ao som de: “Responsável pela vitrine da Figueiredo, favor comparecer no caixa 2”. Lá vem Greyce de novo, desafiando uma tartaruga. Foi até a vitrine, retirou a etiqueta referente ao produto e entregou ao caixa. O código do objeto estava diferente, por isso, o preço não estava de acordo com mostruário. Chama-se outro funcionário. Provavelmente, aquele detentor do cartãozinho que cancela a compra.

“Colaborador Ronaldo, favor comparecer no caixa 2”.

Eu já estava disposta a pagar a mais. Só em pensar que Ronaldo poderia não colaborar e vir sem a tal tarjeta em mãos me dava aflição. Ele demorou bastante (confesso que naquele momento, mais de 3 segundos já seria demais), mas felizmente chegou preparado, já passando a tarja magnética pela registradora sem perguntar nada.

Na esperança de que nada mais pudesse acontecer, o caixa começa um verdadeiro quiz antes de concretizar a venda:

­ - Preciso do seu CPF pra colocar na nota, senhora. E o número do seu celular também, senhora, para o cadastro.

Ainda argumentei que estava com certa pressa e não queria fazer cadastro nenhum, mas ele insistiu que era necessário, pois todas essas informações deveriam constar na nota fiscal.

­ - Vai parcelar?

­ - Pode? Perguntei, porque desconfiei que existiria um valor mínimo para isso.

­ - Não, não pode. Desculpe, senhora.

Diante do meu silêncio e provavelmente da minha cara nada amigável a essa altura, ele registrou finalmente o produto e me deu uma notinha onde havia vários números, exceto meu CPF e telefone.

Andréa Carvalho
Enviado por Andréa Carvalho em 18/08/2018
Código do texto: T6422750
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