DÚVIDA CRUEL

Ele chegou mansamente e entrou vagaroso sem nada falar com quem ali estava. Puxou um tamborete para perto de uma janela e nele se sentou. Lá o homem ficou paralisado, olhando para o nada, ao tempo em que se mostrava distante de tudo e de todos como se ali estivesse só, como se nada do mundo lhe interessava e nem nada teria a dizer.

Na janela ele parecia estar hipnotizado olhando fixamente para a linha do horizonte, a qual deveria ser o alvo da sua solitária preocupação.

As pessoas que estavam no ambiente eram muito próximas daquele sujeito que ora surgiu repleto de estranhezas, e todos, reciprocamente, se entreolhavam preocupados, e sem nada entenderem daquela mudez, preferiram aguardar sem lhe perguntar.

As horas daquele dia de calor foram passando morosas sem que o homem dissesse uma só palavra. Logo ele que, para animar seus camaradas de jogatinas e de bebedeiras, diariamente aparecia falante; contando piadas escandalosas e causos e mais causos, mas agora nada tinha a dizer. Certamente todos os seus amigos do bar gostariam de lhe fazer apenas esta pergunta: - que houve com você Abdias? Mas era preferível aguardar que ele mesmo desenrolasse sua língua e falasse alguma coisa.

Já anoitecia e Abdias não se movia do lugar. Muitos dos seus camaradas que por ali estiveram durante todo o dia já haviam bebido, jogado, proseado, discutido e ido embora. O dono do bar passa a se preocupar ainda mais com a conduta de Abdias que agora olhava para as estrelas sem, sequer, lhe dar a mínima atenção.

Chegou a hora de encerrar o expediente e trancar a janela e a porta do bar. Seu Juca se aproxima cauteloso, e gentilmente lhe pede licença para fechar a casa. Mas para seu maior espanto o Abdias se levanta, abre a boca e quase sussurrando ele diz:

- Seu Juca, eu juro! Juro que não aguento mais: me dá uma cachaça!

Rapidamente Abdias vira o copo da bebida num só gole que a faz descer queimante e veloz. Depois ele chora.

Seu Juca se espanta frente ao comportamento estranho daquele seu fiel cliente de bebedeiras.

Enxugando as lágrimas Abdias vira-se para o dono do bar e diz que não tem mais para onde ir, pois sua mulher lhe proibiu de beber e que caso o fizesse nunca mais voltasse para casa.

José Pedreira da Cruz
Enviado por José Pedreira da Cruz em 06/09/2018
Reeditado em 29/11/2018
Código do texto: T6441275
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