VELHAS SAUDADES!

VELHAS SAUDADES!

FlávioMPinto

A frescura da manhã daquela sexta-feira na Rua da Praia trazia muitas lembranças ao velho Velocino. Saíra do apartamento para apanhar o jornal na portaria do prédio e um ar juvenil encheu seus pulmões com algo que parecia a muito não sentir.

Lembrava de quando chegava em casa ás 7 da manhã depois de badalar nas melhores boates de Porto Alegre.

Era habitué das mais conhecidas casas de rendez vous e amigo de quase todos os maîtres e leões de chácara daquelas casas noturnas. Tinha passe livre em todas. Figura carimbada da noite porto-alegrense.

Com quase oitenta anos, caminhava se arrastando pela Rua da Praia com o peso de suas estripulias, e irresponsabilidades, apoiado numa bengala com cabo de prata que herdara de seu tio, um dos políticos mais influentes do Rio Grande. Já enfrentara muitos baderneiros a bengalaços, e livrara-se de muitos incômodos.

Hoje, a velha bengala é um valioso sustentáculo para sua caminhada pesada e lerda sempre relembrando o que já fizera. Fazendo par com um chapéu coco preto e um terno surrado com mangas e cós puídos, ainda tentava reinar entre seus conhecidos. Mas seu tempo já passara. Seu escritório de advocacia fechara as portas e o deixara a ver navios. As causas de sucesso que haviam lhe trazido muito prestígio e dinheiro se esvaneceram nas rodas de cartas e corridas de cavalos. Não tinha princípios nenhum e advogava causas de todo tipo: o que importava era o pagamento. Obviamente não escolhia clientes.

Era avesso á Internet, celular e computadores, distanciando-se de sua antiga clientela e pseudoaventureira de amigos. Sempre dizia que ”mais de quatro botões ou é farda de militar ou gaita ponto!”

Solteirão, aos 50 anos casara-se com Antonieta, uma guria de 18 anos e tiveram seis filhos, um atrás do outro.

“Ainda bem que nenhum puxou esse velho decrépito nas jogatinas e farras”, sempre dizia Eulina, sua irmã. Theodore Roosevelt, o filho mais moço, com 18 anos, iniciava a carreira de jogador de futebol num grande clube, era o xodó do pai, embora seu desejo fosse ser vocalista de uma banda punk rock. Era um ponto fora da curva, pois seus outros irmãos eram contabilistas e as duas irmãs da área médica. Sempre ajudaram uns aos outros nos estudos e escolha da profissão. E agora sustentavam o pai e a mãe com o sucesso dos seus empregos. Faziam questão disso. Os admiravam e os protegiam. Não pareciam ser filhos do velho Velocino por sua conduta, sempre comentavam os conhecidos.

Nas discussões, no bares que frequenta, costuma levantar a voz e bater com a palma da mão na mesa, seguidamente, para impor seus surrados pontos de vista. Os ouvintes ficam quietos em consideração a sua idade, mas não se conformam com seu jeito.

E assim o velho Velocino leva sua vida arrastando suas sandálias e vangloriando-se daquilo que fora.