A Oração de Toda Noite

A oração de toda noite... Preparo um chá, lavo a louça. Organizo, metódica, o pano de prato no encosto da cadeira. Aqueço novamente a infusão, côo despejando tudo num copo de 473 ml. As vezes acendo um incenso, uma vela ou uma canção. Miro os olhos na janela e vou para fora! No quintal, converso silenciosamente com os cachorros, com os gatos, com o mato! Para o céu, apenas repouso o olhar intencionado, terno e cheio de saudade - sabe-se lá de quê!

Enquanto caminho descalça, pelo barro seco e repleto de ervas daninhas, temerosa de que alguma criatura noturna inflame-se para um combate, preparo uma vibração. Respiro profundamente. Elas ficam apenas lá, a certa distância, me cercando. Não é fácil encarar-lhes, espreitam de certos cantos escuros. Esperam, ou atuam? Descobri recentemente que suscetível é a palavra, mastigável é o ponto. Mas tão logo as coisas mudam... e admito, não sei de nada. Permito-me, humildemente, desvelar com doçura sobre criaturas fantasmagóricas sem rebelar-me com suas possíveis intenções.

Eu me coloco no focinho da fera, deixo que sinta o odor entre minhas pernas... E ali fica nítida nossa simbiose sinistra. Não me atacam, não se rendem. São estranhas companheiras de visão. Carecem de uma atenção específica, que não sei a receita, ainda estou aprendendo. Mas imagino que eu não deva falar-lhes quando souber. Apenas, suavemente, separar-me... como uma mãe, que exausta, necessitada de um tempo só seu, retira-se do filho e do leito - cuidadosamente - procurando tomar fôlego de si.

Acaricio as costas de Romeu e de Muna, esfregam-me o corpinho ínclito. Agacho, próxima aos cães, olho profundamente ao redor, e eles alertam para o significado. Recuo novamente para o céu. Inspiro o firmamento da noite, e antes de soltar, deixo cair na boca o último gole do chá - engulo - solto. Volto-me para dentro. Apago as luzes. Sóbria, me deito, fecho os olhos, ouço e sonho.