O CONTRA

Entediados, buscavam um motivo para diversão naquele sábado quente do final de 1995. A idade variava entre 11 e 13 anos, eram cinco amigos e já tinham feito de tudo naquele dia. Do triângulo na bolinha de gude à correria atrás do mandadão. Do pega-pega ao três dentro, três fora. Agora queriam algo que valesse alguma coisa. De repente, a ideia brotou: um contra! "Vamos chamar os neguinho pra jogar valendo duas tubaína".

Naquele ano, os destaques do mundo da bola eram muitos, porém, os preferidos daqueles meninos eram o Giovanni (Santos), Marcelinho Carioca, Edmundo e Romário, a não ser o arqueiro do time, que gostava mesmo era do Zetti. A final do paulistão tinha sido épica. Corinthians campeão, Palmeiras vice. Um alento para os Corinthianos depois de duas derrotas nas finais do Paulista de 93 e Brasileiro de 94. O Botafogo havia ganhado o Brasileiro numa final polêmica contra o Santos, o Grêmio conquistou a libertadores e o Corinthians, a Copa do Brasil contra o próprio Grêmio, de Jardel e Paulo Nunes.

Rumaram à rua de baixo, chamaram os irmãos gêmeos, chamados por eles de neguinhos, pois eram idênticos e firmaram o contra: "amanhã, às 8:30, no campinho perto do riozinho".

Um problema! Não tinham bola. Pediram para um monte de gente, ninguém tinha, ou disseram que não tinham. Foram até a casa do técnico do Energia e prometeram cuidar da pelota. Ele cedeu. O Energia não tinha jogo nesse final de semana.

No dia e hora marcada, todos estavam lá. A primeira treta, quem vai jogar sem camisa? Um tombo naquele campo de terra e o ralado seria certo. Alguém gritou: "aí, neguinho, vocês jogam sem camisa, porque são nossos patos. Só tomam bucha e hoje tomarão outra. Não vejo a hora de parar no bar do Zaia e tomar uma tuba". Pronto! Aquilo inflamou e o jogo começou.

O jogo era duro. Quando alguém gritava "parou aqui", sempre havia um questionamento, "parou nada, segue o jogo" e a discussão começava. Um gol pra cá, outro pra lá, a bola, quando caia no riozinho, era uma chateação, além de voltar encharcada e fedorenta. Mais discussão e o time dos gêmeos abriram dois gols de vantagem, 5x3. Uma veleidade entre os parceiros da rua de baixo. "Hoje a gente quebra o tabu". 5x4, 5x5. Alguém do time com camisa mangou, "aqui não, pato é pato". No finalzinho do jogo, "os neguinho" tiveram a chance, cara a cara com o goleiro, uma confusão, bate e rebate, gritaria e quando a bola sobrou pingando para o guri estufar a rede (imaginária), um empurrão, uma confusão na área e a trave caiu. "Foi gol". "Não foi". "Foi, sim, todo mundo viu". "Como vai ser gol se não tinha gol pra bola entrar?" Até soco rolou, mas a decisão foi para os pênaltis.

Mais tarde, no bar do Zaia, a molecada da rua de cima tomava tubaína e abraçava o goleiro, que pegou dois pênaltis e fez "os neguinho" irem para casa chorando mais uma vez.