BAIXINHO NUMA FESTA CONFUSA

Durante um tempo em Brasília (tempo propositadamente não identificado) figurava um deputado que se tornou famoso pelas festas oferecidas em sua mansão no Lago Sul. Solteirão, endinheirado, com todos os cacoetes de playboy internacional, dispensou o apartamento funcional que lhe fora reservado. Preferiu alugar uma ampla vivenda, com belos jardins, piscina, churrasqueira e outros confortos. Trouxe até uma experiente governanta de sua terra natal para gerenciar a criadagem e os serviços de buffet frequentemente demandados.

Para evitar rótulos e frequentadores oferecidos, os eventos variavam em estilo e precedia de rigorosa seleção dos convidados. Por lá se tinham, desde jantares de família para colegas parlamentares e gente da exibida aristocracia candanga, até festas menos inocentes para solteiros descomprometidos com os rigores sociais, recheadas de jovens e animadas cidadãs. As festas mundanas eram organizadas por seu filho Teddy, garotão na faixa dos vinte anos, que, embora residindo e estudando direito em suas origens, era frequente em Brasília, fosse nos feriados alongados ou nas férias acadêmicas.

Teddy puxara ao pai no gosto por promover agitos. Mandara transformar uma das dependências da casa em salão de festas, com luz negra, globo refletor giratório, estroboscópio, máquina de fumaça e outros aparelhos do gênero. O sistema de som era de última geração, com distribuição uniforme em todo o ambiente. Além disso, climatizado e decorado com inestimável custo. O pessoal nas festas de Teddy nem sempre compunha a mesma galera. Primava pela variação dos convivas. Preferia gente diferente em cada evento com o intuito de fazer novas amizades e não estragar as surpresas, características e sempre reservadas para o decorrer ou final do agito.

Foi numa dessas festas que Baixinho terminou incluído por força de sua amizade com um dos funcionários do gabinete do deputado, parente distante de Teddy. Não se imprimia nem se divulgava convite. Era tudo feito na base da conversa pessoal, evitando alardes e vazamentos. Não faltavam recomendações - específicas para cada tipo de evento. Na festa para a qual Baixinho fora convidado, todos deveriam trajar calça preta, camisas sociais simples de mangas longas brancas, sem gravata, sapatos pretos sem cadarço e não usar perfume nem desodorante perfumado. Além disso, os convidados estavam impedidos de falar entre si. As bebidas seriam servidas por dois garçons num barzinho móvel e escolhidas por gestos manuais.

Vigorava no Brasil o regime militar, costumeiro em armar arapucas para aprisionar suspeitos esquerdistas. Baixinho não ignorava, mas não temia essa possiblidade, visto nunca ter tido envolvimento político e ser o anfitrião deputado aliado ao regime. Ainda assim, considerava as exigências para ingresso na festa bastante inusitadas.

Cumprindo mais uma das recomendações, chegou de táxi à porta da mansão às dez da noite, em ponto. Nesse meio tempo também chegaram outros e outras provavelmente todos os demais convidados. Próximo de trinta pessoas. Visando a não chamar à atenção da polícia ou de estranhos bisbilhoteiros, os autos mal paravam para desembarque dos passageiros. Teddy mantinha contrato com uma empresa de táxis para conduzir individualmente os convidados de volta as suas casas, ao final da festa.

Já no interior da casa, cada um a seu tempo, num compartimento tipo camarim, recebeu na cabeça um capuz branco, longo até além dos ombros, luvas pretas de alcance até o cotovelo e desodorante de perfume igual a todos. Baixinho logo entendeu que o propósito era dificultar distinção e identificação das pessoas.

Assim uniformizados, chegaram ao salão de festas, sob penumbra e música em alto volume. O único cidadão em traje diferente e sob foco luminoso especial era Teddy. Recebia cada convidado com afetuoso cumprimento. A uniformização dos trajes mais a iluminação em penumbra não permitia sequer distinguir a cor, nem o sexo do convidado. Para minimizar dúvidas, Teddy informou a todos que ali estavam quinze homens e quinze mulheres.

A música eletrônica, embora moderna e agitada, estimulava movimentos de dança. De início, cada um singularmente.

O barzinho repleto de drinques, uísque, vodca, vinho, champanhe e salgadinhos deslocava-se sob um estreito foco luminoso. Todos se faziam servidos sem competição. Sob descontração etílica, já se viam duplas trocando carícias e beijos no salão.

Ante esse quadro, Baixinho terminou entendendo que a uniformização dos presentes propositadamente possibilitaria relacionamentos sem distinção de gênero, cor, nem preconceito de terceiros.

De início, hétero convicto e praticante - desinteressado nessa aventura - permitiu-se ficar de molho num canto exercitando observações e elaborando critérios para assegurar-se sobre o gênero de quem lhe viesse a interessar. Considerava o formato do corpo, quadris mais alargados, seios, movimentos de braços e pernas etc.

Sorveu generosas doses de uísque até tornar menos rigorosos seus critérios e tomar coragem. Partiu para o salão. Aproximou-se de alguém de corpo mais volumoso que não refugou a abordagem. Dançaram, esfregaram-se e beijaram-se por uma boa fração de hora, até que veio a ordem de Teddy para que todos ficassem descalços, vestindo apenas suas peças íntimas. Cabides numerados foram distribuídos para garantir a identificação do dono da roupa e do calçado.

Quando Baixinho examinou melhor o baixo ventre de sua companhia, saiu para vomitar no banheiro. Não se cansava de cuspir e enxaguar a boca. Recolheu-se novamente a um canto, justificando o mal estar no excesso de bebida. Por sorte, faltava menos de trinta minutos para as quatro da madrugada, hora imposta pelo anfitrião para o término da festa.

De volta a seu apartamento, Baixinho caiu em sono profundo.

Quando nos contou essa aventura, ainda permeavam dúvidas sua mente: haveriam naquele ambiente – mesmo - quinze homens e quinze mulheres? Que tipo de opção sexual tinha o anfitrião?

Mas, declarava ter gostado da festa pela criatividade de seu organizador.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 12/10/2018
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