Filhos: temperos, engasgos e folhetins

Filhos são nossos afluentes que parimos sem saber que alma terão. Assim vamos descavando, pouco a pouco, para conhecer o que de fato são, quais tesouros, ecos e tumores carregam nas suas costas.

Filhos reservam cheiros e gostos a serem conquistados com o suor do convívio diário, gotejando seus passos mesclando com os nossos.

Filhos trazem no peito os respiros robustos do que guardamos nos confins mais confins e nunca revelaremos para ninguém.

Filhos podem nos levar à loucura ou ao êxtase da fé num repente qualquer, surpreendendo nossos medos, rebarbas e folias.

Filhos resvalam as retrancas desgarradas da nossa esperança, como cortejo infinito entulhados de surpresas na sua cicatriz.

Filhos castigam as pegadas da nossa razão, chicoteando cada parte da gente sem respeito nem dó.

Filhos retalham as teclas das nossas emoções com maestria sem igual, entoando versos estranhos que mais parecem os acordes do juízo final.

Filhos incorporam os ossos de Deus com absoluta retidão, desmontando as vértebras do Criador sem pedir a menor licença.

Filhos são barragens que mal conseguem reter suas águas para, de repente, inundarem todos chãos em volta num desenfreado frenesi. Filhos sabem dos nossos recuos, das nossas incautas intenções, dos nossos descabelados sonhos melhor que ninguém, fazendo uso disso ao seu bel prazer.

Filhos são feitores insaciáveis para cumprir o que lhes cabe com desenvoltura de cascavel.

Filhos reparam nossos deslizes envergando varinhas de condão que nos deixam esbaforidos e mortos sem volta.

Filhos embriagam nossos ventos, destrilhando os percalços que tencionamos reger sem quaisquer câimbras ou cochilos.

Filhos reinam nos confins da gente num vitalício legado, ao qual, humildemente, nos curvamos e reverenciamos com maior respeito.

Filhos ruminam os segredos que guardamos a sete chaves e que nem para nós mesmos ousaremos estrear.

Filhos requebram os gomos forjados da nossa redenção, como gatunos sorrateiros em busca de sombra para abençoarem seu estopim.

Filhos nos empurrarão ao precipício dos desencantos entoando cantigas de rodas e difusos sussurros xamânicos que mal entendemos.

Filhos nos levarão à compreender que tudo só vale a pena com seus temperos, engasgos e folhetins.

Filhos são a melhor essência do universo, pródigos anjos que caem no colo dos nossos dias para arejá-los, acarinhá-los e colocá-los para dormir, empunhando um sorriso nos lábios sem par nesse mundo.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 13/10/2018
Reeditado em 19/10/2018
Código do texto: T6474773
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.