Rapaz

Ele fuma, sentado no chão da sala escura. Pensa que precisa comprar uma mesa. Não existe casa sem mesa. A fechadura da porta quebrou e ele não tem dinheiro para mandar trocar. O forro do quarto está com infiltração e ele não chama a dona da casa para olhar. É um rapaz solitário. Um Raskolnikov. Olha para os livros, pensa no amor perdido. É Fausto, com seus saberes, livros e uma grande solidão. Mas é a vida real, não existe um Mefisto ardiloso que proponha trocas. Perto dos discos, o amigo no retrato repete que ele se afaste de tudo que lhe faz mal no entanto, amigo também perdido, tudo faz mal. O alimento está envenenado, o ar está irrespirável. Ele não é o anjo de Klee, que se afasta com a tempestade. Ele é a ruína que o progresso deixou. Que ela deixou. Ela vai voltar, com suas histórias engraçadas, seu brilho, seu talento para cantar, sorrir, beber e amar a todo mundo. Todos a amam. Ele é seu prisioneiro. Ela o afasta de todos, esse anjo mau. Quer tudo para si. Ele só quer viver em paz, trabalhar, fumar um cigarro e viver o que lhe cabe. Por que ela tem que aparecer e estragar tudo? Estará escrito em algum lugar que tinha de ser assim? Haverá um modo de impedir que ela apareça Mas ele quer que ela volte, que se comporte, que não o faça passar vergonha, ele que é tão sério, que respeita protocolos e gosta de homens. O rapaz calado, culto e alinhado.

Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 15/11/2018
Reeditado em 16/11/2018
Código do texto: T6503696
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.