CURTO-CIRCUITO (A DOIDA)

A Doida atravessava a avenida larga de um lado a outro seguidamente, correndo entre os carros, causando brecadas e algumas colisões.

Diário e contínuo, praticava seu mister de assustar aos motoristas.

O fato de haver sido atropelada pares de vezes, não a intimidava. Provavelmente, apenas desconjuntava os parafusos e circuitos neurológicos de seu cérebro.

Após rápidas passagens pelo Pronto-Socorro, voltava à prática.

Numa de suas travessias vê surgir uma bola entre os carros. Veio-lhe imagem de recomendações de um tempo de sanidade: “Atrás de uma bola, sempre vem uma criança”.

Travou a corrida ziguezagueante. Um motoqueiro que vinha no corredor freou, derrabou, estatelando-se sobre um capô, levando consigo um par de retrovisores.

O trânsito parou para socorrer e contar prejuízos.

A Doida ignorou o fato.

Desviou-se da moto caída. Olhar vigilante vasculhava ao redor, à espera do surgimento de uma criança correndo atrás da bola, agora parada no meio da avenida.

Sinal de alerta!

Na calçada um Grupo de crianças apontam a bola. Um Adulto gesticula, impedindo que atravessem a avenida, titubeando em ir buscá-la.

A Doida, em incomum direção segura, corre e apanha a bola. Desviando-se entre o acidente e os olhares incrédulos, leva a bola ao grupo, entregando-a ao Adulto.

As crianças trocam olhares de agradecimento com a Doida.

O Adulto devolve a bola a uma das crianças, que após acaricia-la, entrega-a à Doida.

A Doida gesticula, apontando para si mesma.

A Criança meneia a cabeça.

O Grupo afasta-se.

A Doida olha a bola, chuta-a para o alto, correndo atrás dela, que vai cair sobre um carro.

Olhar de ódio brota no motorista.

A Doida nem liga e resgata a bola, chutando-a novamente e correndo atrás.

Dentro de um dos carros, uma Criança aponta para a Doida.

Bola nas mãos, a Doida percebe a criança e corre em direção ao carro, oferecendo a bola à Criança.

Passado o susto inicial, temente de assalto, a janela é aberta.

A Doida beija a bola e a entrega à Criança.

Buzinas disparam.

Retirada a moto do chão, o trânsito volta a andar, desviando-se da Doida.

A Doida acena despedindo-se da Criança.

O Grupo, atônitos, aplaudem a Doida, que agradece enquanto volta à calçada oposta onde senta-se um instante, coçando a cabeça, como a refletir.

Levanta-se lentamente e começa atravessar a avenida entre os carros na prática diária e contínua em seu mister de assustar aos motoristas, causando brecadas...

Provavelmente, consequência de parafusos mal apertados e curtos-circuitos neurológicos de seu cérebro.

Pedro Galuchi
Enviado por Pedro Galuchi em 16/11/2018
Código do texto: T6503788
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