Um café da manhã inesquecível

A família Servilho era daquelas típicas da classe média paulistana.

O pai, João Sérgio, médico, dividia seus dias entre a clínica do bairro de Pinheiros e os plantões no PS da Santa Casa.

A esposa Célia, bióloga, dava aula numa escola particular de Ensino Fundamental da Lapa, outro bairro de São Paulo.

Tinham 3 filhos.

O mais velho, Pedro Augusto, fez agronomia na ESALC de Piracicaba e trabalhava numa grande indústria de fertilizantes no interior do Paraná, morando lá com a esposa Sueli e seus dois filhos.

Cristina, filha do meio, também fez medicina e trabalhava no Hospital Albert Einstein como obstetra.

O filho caçula, Daniel, 12 anos de diferença com a irmã, estava no último ano do Ensino Médio numa tradicional escola particular na região da Paulista.

Certa manhã de domingo, o casal e os dois filhos tomando seu café da manhã, Daniel surpreendeu a todos com essa bombástica declaração:

- Decidi o que quero ser na vida. Vou ser lixeiro.

Os pais e sua irmã ficaram sem reação. João Sérgio logo respondeu:

- Ótima piada, filho, gostei. Só faltava essa, querer ser lixeiro...

Daniel estava com semblante sério, compenetrado.

- Gente, não é brincadeira. Lixeiro é tão necessário quanto médico, professor, engenheiro, advogado, juiz. Alguém tem que recolher o lixo nas ruas. É profissão digna, honesta, como qualquer outra.

O pai não se conteve:

- Filho, está certo. Mas você estudou em ótimas escolas particulares e muitas vezes penamos para pagar as mensalidades. Fez inglês, Kumon, natação e tantas coisas mais. Tudo isso pra ficar catando lixo nas ruas? Não acha meio esquisito? Pensa bem...

Daniel não achava nada esquisito.

Do alto dos seus 16 anos tinha decidido que seguiria por esse caminho. Não era birra ou decisão impulsiva. Era esse seu sonho profissional de vida naquele momento, depois de muita reflexão, que inclusive lhe roubou diversas noites de sono.

- Gente, vou ser feliz assim, apesar de frustrar a expectativa de vocês e de muitos outros que me conhecem. Podia escolher a profissão que quisesse, até estudar fora do país se fosse o caso. Mas ser lixeiro sempre me encantou, quando ouvia o caminhão do lixo chegando corria pra rua só pra ver o trabalho deles. Ficava até fascinado e admirava o esforço que faziam recolhendo aquilo que as pessoas jogaram fora. E depois que o caminhão passava eu ficava feliz em ver a nossa rua limpa. Foi assim que decidi ter essa profissão. Será que dá para entender?

Célia e João Sérgio ficaram em silêncio por alguns instantes.

Olharam um para o outro e sorriram emocionados, com olhos lacrimejando. Tinham percebido que seu filho caçula era mesmo especial, fora da curva, que tinha todo direito de ser o que bem quisesse na vida. Que fosse um lixeiro feliz do que mais um diretor de empresa engravatado, frustrado e infeliz.

- Vá em frente e que Deus o proteja - assim seu pai encerrou aquele café da manhã em família abraçando seu filho com a aprovação desejada. E lhe dando um beijo carinhoso que ficará pra sempre guardado na memória de toda família.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 16/11/2018
Código do texto: T6503965
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