Estou gripada e não sei o porquê.

Eu estou sentada no sofá com um livro de Clarice de um lado, papéis aleatórios do outro e segurando um caderno preto capa dura 100 folhas que jurei que seria um livro, mas que me serviu como rascunho para trabalhos e afins. Era de se esperar. Abri o bendito caderno na intenção de fazer isto que estou fazendo: nada.

Eu gosto de escrever. E é isto. Tem que ter um porquê? Ah, pelo amor de Leminski! Eu também gosto dele, tenho vários porquês. Gostaria de conhecer alguém que também gostasse. Não apenas dele, é claro, mas de tantos outros, sobretudo da minha xodó do momento: Ana Cristina Cesar. Ah, e alguém que tenha lido Olhos d’água, de Conceição Evaristo, e que tenha chorado compulsivamente - óbvio, senão não leu direito-. Conheci através de Djamila. Leiam Djamila!

Acho que vou parar com as indicações, porque estou sendo injusta com uma ruma de autoras e autores. Meu coração literário está apertado, é um sinal pra parar. Ô, menina besta! Besta e gripada, como se não bastasse. Não que isso seja interessante, leitores queridos, mas o resto também é de interesse duvidoso. Só quero dizer que estou gripada e não sei o porquê. Pessoas gripadas que ficaram gripadas sem um motivo pra ficarem gripadas do Brasil, uni-vos. Ontem, também gripada, foi meu aniversário de 15 anos. Digam “oh!”, mas não entrarei em detalhes, só digo que tive uma festa surpresa. Digam “oh!” novamente.

Não sei você, ser humano desprovido de coisa melhor pra fazer, mas eu- às vezes - só queria alguém pra escutar “Somebody to Love” e saber que aquele “somebody” é o alguém que eu queria que fosse. Ou talvez pra escutar “Sozinho” sozinha e chorar em posição fetal em pleno domingo. Somebody, quer dizer, alguém pra falar “ tu tá tão Caetano hoje, sabia?”, porque, meus queridos, Caetano não é um ser cantante- apenas- Caetano é adjetivo. Ou talvez ouvir La Vie en rose na voz de Audrey e tentar imitá-la fingindo costume na frente do cara que eu gosto que está, por um acaso, dirigindo elegantemente enquanto traga um cigarro caro num carro preto, brilhoso e baixo até um lugar que ninguém sabe se é lugar mesmo ou se é montagem, mas bonito - é claro-. Sabe, eu queria mesmo era andar por “Salvador, meu amô” cantarolando Beija-flor, dar uns beijos no bloco Olodum ao som de “Deusa do Amor”, andar na praia e me sentir a própria “ coisa mais linda que vem e que passa num doce balanço a caminho do mar” ... pronto! A sessão Salvador acaba por aqui. Olha só que beleza eu ouvindo “ Um certo alguém “ realmente tendo um alguém, que não é certo, mas já é alguém. Imagine eu chegando por trás naquela cena clichê de colocar minhas mãos em teus olhos pra você ficar “hum, deixa eu adivinhar...” e nunca adivinhar, ficar aquele climão tenso, mas mesmo assim eu disfarço, sorrio e digo “surpresa!”. Ou quem sabe você e eu aos beijos debaixo das românticas luzes dos postes de Uibaí, se é que elas funcionam. Imagina só eu indo escondida pra Praça Velha, assim como uma folha cai da árvore, você cai em meus pés. Eu falsamente digo “ ah, você por aqui?”, você - mais falsamente ainda- diz “ é, eu tava de passagem”, temos aí um digníssimo roteiro de Hollywood. Ou quem sabe eu chegando em Amilton Bar como quem não quer nada, só que naquela intenção de qualquer pessoa que vai pra rua de Uibaí numa sexta-feira, depois eu desço - como todo e bom uibaiense- até o Grêmio pra prestigiar a cultura brasileira/regional, inclusive prestigiar a boca do guitarrista. Tudo isso y otras cositas más que é melhor deixar em minha cabeça até um outro dia tedioso chegar e eu em sentir obrigada a escrevê-las.

Anita Maria
Enviado por Anita Maria em 03/12/2018
Reeditado em 28/10/2019
Código do texto: T6518395
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