O desejo e suas perturbações

 
          O desejo, de modo mais superficial, é objeto de quem deseja ou de quem sente a vontade de possuir ou de ser alguma coisa; enfim de gozar o contentamento ou alegria da realização, alimentada pelos seus relativos impulsos. No campo do ter, o ânimo desse sentimento é a ambição, e há quem seja ambicioso sem limites, permanentemente sofrendo de contínua aguda avidez e consequentemente de uma mortífera ansiedade. Então verifica-se que o desejo também incomoda, contudo desejar é inevitável, porque somos todos desejantes. Quando sadio, sua realização é salutar, sobretudo quando mesmo ardente, ele se faz por ação moderada.
          Há circunstâncias que favorecem o aumento do desejo, levando o desejoso ou o desejante à ansiedade ou à sofreguidão de atitudes abruptas. Ele quanto mais individual mais perturba até à sua perseguida realização ou à desistência do sofrido desejo; e lá vem a frustação ou o desencanto. É quando se constata a impossibilidade de se conseguir o que é desejado; melhor até nunca ter havido desejado; arrependido, embora possívelmente consciente de que a vida sempre seja cheia de desejos... Em Roma, tinha um amigo cearense que era apaixonado por Claudia Cardinale. Então, eu lhe fui sincero: Desista, jamais você chegará lá. Ele me ouviu e parou de sofrer...
          Quando o desejo é individual, ele é mais realizável, mas, ao mesmo tempo, acarreta maior angustiante sofrimento, até o gozo da sua realização, sobretudo a quem tem só para si os objetivos e o prazer da sua realização. Mas, quando o desejo é consensual e chega às raias do coletivo, ele perturba menos e aguarda, com maior paciência, a sua consecução. Verifique-se como é demorado o desejo do injustiçado povo; mesmo assim ele continua esperançoso, desejando. Nessa distribuição de consistente vontade, há várias dimensões e extensões do desejo: o desejo do leitor; o do outro e o dos outros. Sempre a força do desejo é que ele será para o bem de quem deseja. Quais seriam? Mais apropriada é a simples indagação do diabo, em Diabo Amoroso, de Jacques Cazotte: “O que queres?” Ou caso for ao outro: o que ele quer? E se for ao desejo coletivo: o que queremos? Com liberdade à resposta, crescem o imaginário do sujeito ou todas as nossas fantasias possíveis, o que não deixa também de causar perturbação...