Amor com ódio

Sou escritor de histórias de vida de pessoas comuns há muito tempo.

Uma das etapas finais do trabalho é reunir o cliente e seus familiares para apresentar o material elaborado, com textos e imagens.

Assim darei oportunidade a todos de expressarem sua opinião, críticas, acréscimos e observações.

Há uns 5 anos fiz algo nesse sentido para um grande empresário, dono de um império composto por várias indústrias.

Ele começou do nada e hoje é referência nacional na sua área.

O encontro foi na sua bela propriedade, imensa fazenda do período colonial.

Lá estavam o protagonista da obra, esposa, irmãos, cunhados e 5 filhos com respectivos cônjuges.

Tivemos um agradável almoço regado a vinho da melhor qualidade.

Quando apresentei o que havia feito, a aprovação foi geral, apenas com pequenas correções de datas e grafia de sobrenomes.

O clima era de grande harmonia familiar, todos felizes e entusiasmados com o projeto, especialmente os filhos.

Com a missão cumprida, o anfitrião foi me acompanhar até meu carro.

Na hora de nos despedirmos, confidenciou:

- Todos eles me odeiam. Não vêem a hora de eu morrer pra botar as mãos em tudo o que construí ao longo de mais de 70 anos sem tirar um dia de férias. Vá com Deus!

Aquela voz embargada, doída, ficou ecoando na minha cabeça enquanto pegava a estrada de volta pra casa.

O meu cliente, com a sabedoria que só os anos geram, enxergava e ouvia bem além dos olhos e ouvidos.

Tanto dinheiro acumulado, tantos empregos gerados, pra chegar aos 92 anos com a certeza de que seus frutos eram abutres disfarçados, só esperando a sua carniça pra saciar uma fome fria, desumana e cruel.

Aquela bonita trajetória bem que merecia outro arremate.

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 09/12/2018
Código do texto: T6522742
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