Conversando com 2018

2018 – Olá, já vou embora!

Eu – Sim, eu sei, é assim mesmo, não é? Todo mundo um dia vai embora... Você tem “numerus clausus” ...

2018 – Pois é! Pelo menos esta certeza já tenho desde o nascimento, sei exatamente meu prazo de validade... A incerteza é saber se meus 365 dias são apenas uma convenção do homem ou é mesmo o momento findo de minha existência... De qualquer modo, estou ávido por descobrir, já vamos em 18 de dezembro e considero que minha missão está cumprida, e foi bem comprida também... Como diria Sócrates - risos – se eu continuo em 2019 só com outro nome, não há do que me preocupar porque tudo vai continuar e só o nome muda... Mas, se, por outro lado, eu deixar de existir para dar lugar a um novo ano, não há do que me preocupar porque deixarei de existir e já, as coisas da vida, não mais me afetarão...

Eu – É sim. É verdade, eu gostaria de ter também esse discernimento quando chegar perto do fim da minha existência – do fim mais previsível, claro, aquele que vem com a idade, porque de maneira abrupta e repentina, todos estamos sujeitos a partir, e neste caso, acho que é raridade estar preparado. Afortunado você neste caso, que jamais deixará de existir de maneira abrupta e repentina, pois do fio de sua vida encarrega-se o Tempo. O Tempo é um senhor poderoso do nosso destino! Sabe que eu queria passar um tempo convivendo com o Tempo? Acho que seria um aprendizado incrível... Mas isso é outra conversa, não é? Quem sabe outro dia...

2018 – Sabe que isto me faz lembrar também do que disse Sartre, de que para ele, quando a morte chegasse, que levasse ninguém mais do que apenas um homem morto... Na verdade o que ele quis dizer, agora, vejo bem, é que queria partir com a missão cumprida e tendo feito tudo que poderia para ter exercido a plenitude da vida...

Eu – Olhe, não sei de fato qual é o papel de um ano nos eventos da vida de uma pessoa, além de contar no calendário o tempo, claro... Mas tenho um sentimento de que há um “dedo” do Senhor Tempo aí... Acho que ele cuida de nossos aprendizados e conquistas... Nosso desenrolar nos caminhos da evolução...

2018 – Acho que o nosso papel, digo o papel de nós, os anos, é mesmo ajudar o povo a se organizar e a não sofrer muita angústia de ver as coisas sempre do mesmo jeito. Explico, porque na bem da verdade tudo continua como está, as Leis são as mesmas, aqui do meu canto só fico observando a ordem universal dos planetas, as interações nos ambientes sociais. Mas no fundo vejo que nada muda, vejo que há uma utilidade pedagógica neste negócio de que quando chega o tempo de um novo ano, a pessoa olhar para traz e querer fazer diferente aquilo que não deu muito certo, ou se deu certo, querer fazer melhor, diferente... Não é mesmo assim?

Eu – É! Você tem razão, na verdade as coisas não mudam muito de um ano para outro...

É mais um estado psíquico do que outra coisa... Mas tem muito valor sabia? Por exemplo, estou aqui registrando nossa conversa, porque você chegou e me disse que está indo embora... E isso acaba servindo para reflexão nossa sobre a vida-morte. Está aí o “quê” pedagógico desse construto social em torno do tempo – a gente aprende. O que você vai fazer depois de 31 de dezembro?

2018 – Sabe que já pensei sobre isso? Já no começo dessa conversa rememorei Sócrates o filósofo e falamos de Sartre, não posso dizer que quando a morte para mim chegar que leve apenas um homem morto, porque não sou homem, sou tempo... E para o tempo tudo se aperfeiçoa no tempo certo. Por isso, tendo a concluir que no dia 31 de dezembro me tornarei perfeito. Mas não é só isso, porque ao mesmo tempo penso o que viria a ser tornar-se perfeito. Sei que me aperfeiçoarei findo meu curso sobre as circunstâncias da vida, mas só, ademais, sobre isto não tenho ideia clara, só não quero que seja dor e sofrimento. E para evitar isso, aceito. Aceito que tendo eu me aperfeiçoado no fim do meu tempo não tenho mais influência sobre nada nem ninguém, assim quando chegar a hora, vou tranquilo e sem pesar.

Eu – Não é bem assim, pois embora você tendo se aperfeiçoado como disse – com o que concordo – sua influência sobre pessoas e coisas não cessam com sua existência, pois sempre haverá um pouco de você nas coisas e nas pessoas que você tocou e haverá um pouco dessas coisas e dessas pessoas em você também, esteja você onde estiver – e não é que você deixando de existir – se for mesmo o nada depois da vida – como você disse, sua existência cessará. Pois você sempre estará naqueles que se lembrarem de você, naqueles que fizeram de você um ano importante.

2018 – É! Mas sabe que isso nem importa muito? Com isso não quero que entenda que eu desaprecie este sentimento, mas não importa muito porque eu aceito. Aceito meu fim. Acho que foi uma missão cumprida e bem cumprida. Saio de mim da mesma maneira digna que entrei. Acompanhando os desígnios do Tempo.

Eu – Ah sim! Eu entendo, se você aceita, está em paz, não é? É uma sabedoria que vem com a experiência e o momento pelo qual está passando. Pode ser também que você se transforme em algo maior ou que volte para o lugar o de onde veio antes de 01 de janeiro, não é?

2018 – Pode... As possibilidades são muitas...

Eu – Bem, de qualquer modo obrigado!

2018 – [risos] Obrigado?!

Eu – É, por você ter passado pela minha vida. Você foi – esta sendo – meu quadragésimo primeiro ano. É um dos anos dessa fase da vida importante em que a gente se afirma – ou pelo menos acha que se afirma - risos. Para muitos um divisor de águas, alguns nos quarentas se tornam mais materialistas, outros mais espiritualistas. É mais ou menos a metade da vida média do cidadão... Então traz muitas reflexões...

2018 – Eu fiz tudo isso?

Eu – Ah! Fez sim! Na verdade, está fazendo, porque você não acabou ainda! Tanto é que nos tornamos amigos... Temos ideias ressonantes. Você é um ano mais reflexivo sobre as coisas da vida e eu também; quer se tornar mais consciente dos desígnios velados que nos conduzem pela existência, e eu também... Por isso estamos aqui nesta conversa...

2018 – Falando assim é até bonito, mas essa reflexão toda é bem menos glamourosa na vida real...

Eu – De fato, meu caro. São as coisas da vida. Ela não é fácil, não é? Mas se fosse, também qual seria a graça, a conquista? O desafio é entrar nessa vida e sair dela mantendo um equilíbrio relativo e ainda deixar uma circunstância melhor do que aquela que encontramos por onde passamos.

2018 – Verdade! Acha que eu fiz isso?

Eu – Bem, não posso falar, por toda humanidade, mas eu acho que você foi um ano de acerto de contas mesmo. Muitas coisas se resolveram no curso de seus dias, penso que você tenha aperfeiçoado muitas relações, tanto aquelas que fez nascer, quanto as que modificou, ou mesmo aquelas que fez terminar. Você também foi um ano de muita expansão de consciência sobre ser humano neste mundo... Foi durante o curso de seus dias que as pessoas – não todas claro - foram se conscientizando de quem realmente elas são, de suas perspectivas de vida, formas de ver o mundo. Como sociedade, vimos a medida de nossas fraquezas – com a visibilidade de qualidades humanas inferiores como a indiferença, o desprezo pelos vulneráveis, o preconceito. E quando reconhecermos as medidas de nossas fraquezas teremos incorporado a humildade finalmente. Por ora só demos visibilidade, mas é o primeiro passo, ele está dado. E você o viabilizou.

2018 – Agora estou com sentimento de arrependimento e gostaria de me desculpar...

Eu – Desculpar por quê?

2018 – Eu não me dei a devida importância e não me via como viabilizador dessas coisas boas, que são passos rumo a evolução da humanidade – é como vejo – estive ali, passando meus dias e assistindo à dinâmica natural das coisas ...

Eu – Mas o que você poderia ter feito diferente do que fez?

2018 – [silêncio]

Eu – Viu? Você mostrou a que veio, deu tudo certo! Você só não sabia, mas já conhecia!

2018 – Como assim?

Eu – Quando você veio, já chegou com uma missão inerente, ela ocorreria independente de sua consciência ou não, e você, não tarde demais, se deu conta do valor superior que representa. Foi tão providencial a forma com que as coisas aconteceram que você mesmo teve um aprendizado superior – neste momento – em que notou que a realização divina na sua vida foi maior do que você tinha imaginado. Não é?

2018 – É sim, e me sinto melhor por isso. Feliz 2019!

Eu – Obrigado! E vá em paz! Quem sabe, um dia, eu me torne tempo também! Aí vamos nos encontrar seja lá onde você estiver e poderemos ser amigos e andar juntos por aí...

2018 – Seria ótimo!