COMPRA-SE UM ABRAÇO
 
Quero comprar um abraço. Não precisa ser inteiro, nem de primeira mão. Pode ser incompleto, pela metade, usado, com resquícios de carícias infantis, ou manchado de risos das longas horas juvenis. Ou então, que seja um abraço terno, com marcas de choros inocentes das longas noites não dormidas, ou, ainda, calejado pelas agruras das tardes plenas de outrora. Sendo usado, aceito que tenha alguns arranhões produzidos por encontros inesperados, algumas marcas de alegrias impregnadas pela espontaneidade de sua operação. Aceito, inclusive, que tenha embalagem desgastada, ou que esteja coberto por grossas camadas de tempo. Só exijo uma garantia: que possua bateria para conservar o entusiasmo e fazer funcionar a alegria durante o uníssono pulsar de dois corações. Pode ser de qualquer modelo ou ano de fabricação, mas há de ter procedência sincera de boa intenção.
Hoje, ao arrumar pertences emocionais, encontrei meu abraço esquecido, totalmente abandonado, há muito tempo desativado. Tirei-lhe o pó e o guardei de novo. Está aqui comigo, falta-lhe o movimento característico. Encontra-se um pouco desalinhado em virtude do desuso, mas mesmo assim, dele não me desfaço, pois percebi que ainda conserva o calor que lhe confere vida. Encontra-se guardado, sem nenhuma utilidade, por falta de completude.
Coisa estranha é um abraço! Não pode funcionar sozinho. Depende de outra vontade. Por isso preciso comprar um abraço para ativar meu abraço em sua totalidade vital e que o coloque em operação com sua capacidade real.
Pago o preço que pedir, posso lhe garantir.
Quem me vende um abraço?

Do livro: Bazar dos Poetas