ACIDENTE EM ALTO MAR

Após semanas de muito trampo - o feriadão chegou trazendo esperança de descanso e diversão juntos.

O equipamento de pesca foi minuciosamente guardado no porta malas do carro - evitando o peso da bagagem do meu povo. Parecia que iam mudar de cidade. Minha velha mochila surrada por tantas andanças ainda mostrava serviço - levando apenas o suficiente.

Depois de algumas horas na estrada - e muitas bandas de rock se apresentando no som do possante, chegamos ao nosso destino. Vista deslumbrante logo na chegada. Lá embaixo o mar com aquelas infinitas jangadas estacionadas - época do defeso da lagosta - enchia os olhos. Descemos o morro e nos aconchegamos na pousada do velho amigo.

Dia seguinte, a pescaria que fora marcada no feriadão passado estava prestes a começar.

Acordei cedo e estava montando o equipamento quando o amigo participante da aventura chegou. Ajudou-me naqueles nós no nylon - pois ainda eram um mistério para mim.

Depois de alguns instantes nosso anfitrião surgiu em silêncio - mas com um leve sorriso no rosto. Era o lobo do mar.

O velho jangadeiro encarnava a "sofrência", os dias difíceis, o sol no corpo - representado nas rugas - mas também o amor pela labuta.

Preparamos tudo e rumamos ao encontro dos peixes.

A maré estava "secando" e tínhamos que entrar uns 200 metros adiante, até um banco de corais onde os peixes decerto - aguardavam ansiosos pelo alimento - nossas iscas. Afinal não era todo dia que o camarão ficava assim de bobeira.

O colega de pescaria embarcou na velha jangada. Fiquei ajudando o velho jangadeiro empurrando a embarcação - até que o capitão indicou que eu deveria pular para a nau. Foi difícil, o diacho do barco não parava quieto. Estávamos com água acima da cintura. Depois de alguma dificuldade subi e sentei logo - ficar em pé naquela prancha, nem pensar.

As varas de pesca, a caixa térmica com as iscas, algumas frutas e água estavam logo atrás dos embarcados - enquanto o nosso lobo do mar numa habilidade impensável para alguém daquela idade - colocou-se a postos na parte traseira do "barco".

A prosa estava boa - com gargalhadas sem parar - e de repente passamos por uma onda, depois uma maior - e o barco desceu por uma depressão de água. Descemos - parecia um buraco - olhei para a frente e logo arregalei os olhos:

- Jesus do céu!

Uma onda de quase dois metros se formou à nossa frente - não precisava de matemática, química, prêmio nobel de física ou coisa que o valha, para entender que aquela vaga iria cair na nossa embarcação.

Só lembrei de me agarrar na estrutura que segura a vela e esperar pelo pior. O impacto foi devastador - depois que o aguaceiro passou, voltei a realidade. A caixa térmica e o velho lobo do mar não estavam mais na jangada. Acho que o velho foi resgatar o equipamento. Olhei de lado e o amigo de pescaria ainda se recuperava do susto.

Perguntei se estava bem - ele anuiu com a cabeça - tinha esquecido até o idioma.

Notei que a jangada estava indo mar adentro e procurei pelo freio - não tinha. O companheiro de pesca indicou uma âncora - naquele momento o diacho daquele barco parecia que tinha o tamanho do Titanic. O nosso freio estava na ponta - ou proa - para quem entende da bagaça. Como chegar até lá era um problema. O balanço era muito grande. Foi humilhante. Fui me arrastando - tipo aquela galera do exército passando pelo arame farpado. Selva mesmo. Joguei a âncora. UFA!

O velho voltou com a caixa - só Deus sabe como.

Pronto, tudo voltou ao normal e nos aproximamos dos arrecifes de corais. Há, os peixes - já estavam reclamando - era fome mesmo.

Meu equipamento parecia penteadeira de rapariga - todo enfeitado. Um profissional. O velho lobo tinha apenas a linha, dois velhos anzóis enferrujados e na ponta e uma chumbada improvisada. Enrolava a linha no próprio carretel.

Depois de minutos os peixes começaram a brotar nos anzóis - menos nos meus é claro. O velho puxou dois de uma só vez e com um sorriso cínico - olhou prá mim e disse:

- É meu dia de sorte.

Fidumaégua.

Depois de 20 minutos - comecei a ter tonturas e ânsia de vômito.

Fiquei deitado de cara para o azul do céu e estirado. Estático.

Só me movimentei depois do grito de um dos dois pescadores:

- É uma moreia. Cuidado.

Levantei com um pulo. A moreia estrebuchou no convés até ter a cabeça decepada no melhor estilo da Revolução Francesa.

Minha sorte foi uma jangada voltando de alto mar. Peguei carona.

Ainda olhei para trás e testemunhei o velho pegar mais um peixe graúdo.