Pequenas histórias 163

Mais uma vez abriu

Mais uma vez abriu o Word. Mais uma vez o espetáculo estava começando. Seus olhos pretos castanhos claros se fixaram no cursor. Por um bom tempo ficou extático no piscar insistente. Depois olhou em volta por cima das divisórias das baias. Tudo pronto para o inicio da função. Só que nesse teatro não tem sinal sonoro avisando os atores e público do inicio. Não tem. E muito menos público. Nesse teatro do absurdo, no qual, os atores são prisioneiros de si mesmos, o espetáculo começa logo na entrada, onde cada um, ao passar o crachá anunciando sua presença, já incorpora o personagem entrando no clima da peça. Não há figurino especial, assim que entram sob as luzes dos refletores, cada ator se transmuda, veste seu figurino próprio durante oito horas de encenação. E também não tem marcação dizendo o que cada um deverá fazer, não tem, isto é, cada ator tem seu lugar, sua mesa de trabalho, fazendo sua obrigação durante oito horas, com interrupção ao meio dia para o almoço até à uma hora, reiniciando o espetáculo até às dezessete horas.

Conforme o enfoque que cada ator impingir ao personagem, pode-se dizer que há quase de tudo, desde comédia até drama sensacionalista. Há um leque de variedades, uns ficam somente sentados, outros falam mais que vitrola descontrolada, alguns andam o tempo todo, há os ranzinzas, os maus humorados contando os dias, há os humoristas com suas piadas ridículas, há os contadores de causos, os paqueradores famintos de carne viva, enfim, tudo o que se possa imaginar. Poucos são os que não desempenham bem o papel, quando isso acontece, o que é raro, são dispensados. Não há um premio especifico para quem representa melhor, mas há um premio para quem consegue permanecer mais tempo no seu papel, para esses, são distribuídos uma placa comemorativa e certa quantia em dinheiro. Mas, essas premiações não é todo o ano que ocorre.

Há também os ambiciosos, os que não se contentam com o seu papel. Estes fazem de tudo para alcançar o objetivo focado. Pouco se importando com isto ou com aquilo, querem e pronto, é claro, não perdem nenhuma oportunidade. Há também os apáticos, os que nada desejam apenas ficar na humilde função em foi colocado, furando papeis por mais de vinte anos, sem ambicionar nada, apenas cumprindo a obrigação o melhor que pode.

É um espetáculo deprimente, cansativo, absurdo, sem atrativo, a não ser, para os atores que amam o que fazem.

Pastorelli
Enviado por Pastorelli em 17/01/2019
Código do texto: T6553213
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