Tacos

Hoje deveria ser um dia qualquer; somente mais um dia do mês, mais um dia desse ano e menos um para o próximo. Só que assim não foi. Hoje data mais um ano de sua ida, nossa separação, meu abandono e sua liberdade. Eu imaginei que seria difícil, mas que superaria toda essa falta com o passar do tempo, mas vejo que me enganei.

Parecia estar tudo em ordem hoje, até que, após o almoço, me dei conta de que não havia ninguém para conversar... Todos os meus domingos em casa têm sido cinzas. Não há final de campeonato, não há programa humorístico, não há sensacionalismo que me tire da lembrança de você falando para eu lavar as louças, mas se aninhando comigo no sofá apesar de todo calor desse inferno de cidade. Minha ficha caiu: eu te perdi e mereci isso!

Toda minha ausência, minha frieza, minha despreocupação, tudo e muito mais que fiz te feriram. Você tentou muitas vezes, mais até do que deveria, mais do que eu merecia como insistência, e mais do que aquilo que o amor precisa. Não fosse hoje o dia que é, e não fosse sua partida o meu acordar, talvez todo sofrimento fosse teu agora, injustamente.

Tropecei um dos tacos do chão do corredor; mais um taco solto, como você sempre reclamou. No meu tropeço, desequilibrei feio, sobrei ao chão e ralei a testa. Mas não foi nada grave. Aproveitei o acalanto daquele chão gelado e me deixei ali, em lentas lágrimas a rolar retintas. Uma para cada lembrança. Você sempre pediu que eu não chorasse, que eu já era seu mocinho, e mocinhos não choram mais. Aquele maldito taco me tornou somente um menino, chorando ralado no chão. Hoje pequei com poucas das coisas que me pedia e isso doeu tão fundo que enxerguei, em cada taco solto daquele corredor, um mosaico de meus erros frente teus carinhos. Como fui tolo!

Agora resto eu, com essa casa maior do que o mar é para a concha; resto eu, jogado aos cantos dos cômodos junto aos pedaços de carvão que você colocava com arruda; resto eu, e as panelas todas ariadas com o brilho que você sempre elogiava; resto eu, eu com uma lista do que preciso comprar para firmar os tacos no corredor para o caso de você vir me visitar ou buscar aquela camiseta lilás e sua escova de cabelo. Não gostaria que soubesse que estive jogado aos trapos, por mais que meu peito não minta para ti.

Crônicas de um Ignorante
Enviado por Crônicas de um Ignorante em 19/01/2019
Reeditado em 10/02/2019
Código do texto: T6554894
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