A CASINHA DE BARRO QUE GANHEI

A CASINHA DE BARRO QUE GANHEI

*Rangel Alves da Costa

Não faz muito tempo, durante a participação num evento histórico e cultural realizado na Escola Estadual Professor Justiniano de Melo e Silva, na cidade de Poço Redondo, no sertão sergipano, fui surpreendido quando uma das coordenadoras do evento, a professora Sandra Félix Cruz, anunciou que uma turma de alunos iria me presentear. Restou-me esperar o que aconteceria daí em diante. Mas logo imaginei o que poderia ser quando ela se aproximou de um objeto em cima de uma mesinha mais adiante.

Em cima da mesinha uma casinha de barro, ou de taipa, como se costuma dizer no sertão. Contudo, uma réplica tão perfeita daquelas moradias sertanejas erguida no cipó e barro, daqueles casebres levantados na lama do poço e na ripa da catingueira, que mais parecia a presença vida daquele mundo-sertão. Toda a estrutura é a mesma das casas originais, no barro e no telhado de palha, na junção da massa visguenta em meio à madeira. Tudo igual.

Logo me encantei. Cuido do Memorial Alcino Alves Costa, também em Poço Redondo, e aquela casinha teria uma serventia sem igual para contar a história do mundo sertanejo. Ao lado de objetos antigos, relíquias, fotografias e outros objetos que traduzem o passado desse tão belo e tão esquecido, aquela construção teria papel fundamental no resgate desse passado, embora ainda existente pelos arredores da cidade e mais adiante.

Estar diante dessa casinha de barro é realmente estar perante uma autêntica moradia sertaneja. Ora, pelos sertões sempre abundaram estes tipos de moradias. Pelas distâncias matutas ainda são costumeiras nas beiras das estradas, depois das cancelas, nos escondidos dos matos. Moradias empobrecidas e de pessoas empobrecidas. Sua humildade é avistada na própria aparência. Uma porta e uma janela, poucas dependências, o bastante apenas para a proteção e a subsistência no que a vida oferecer.

Nos sertões, as casinhas de barro afeiçoam-se à própria carência sertaneja. Lá dentro não há nenhum luxo, nenhum conforto, nenhum prazer senão de se estar protegido do sol e da chuva e de outras surpresas da natureza. Lá dentro a cama de vara, a esteira, a cozinha esfumaçada, a panela agastada, o pote, a moringa, a mesa tosca, o tamborete. Dificilmente mais que isso. Talvez uma rede, um rádio de pilha, um jarro com flores de plástico, um prato de estanho e uma caneca de alumínio e só.

Sim, uma feição de medonha pobreza, mas tão real como ainda de fácil comprovação. Muitas casinhas assim, de cipó e barro, ainda estão espalhadas pelas vastidões sertanejas. Mas é nelas, em meio ao barro e à cobertura de palha ou de telha, que o sertanejo encontra a sua felicidade de viver e a elas se devotam com o prazer da gratidão. Ora, não precisa de luxo algum, de grandeza alguma, apenas a riqueza de ter o seu cantinho para chamar de lar e nele criar os seus. E tantas vezes assim permanecer durante toda a existência.

E agora, na sua imensa expressividade e significação, ela faz parte do acervo do Memorial. E lá está numa mesinha, tendo ao lado um carro-de-bois, bem ao modo daquelas outras que estão pelos arredores. E quem adentra aos espaços logo reconhece e, de certa forma, também se reencontra com suas raízes. Recorda-se sempre das tantas casinhas de barro que conheceu, e até que no passado seus familiares já tiveram como moradia uma residência, singelamente empobrecida, mas tão sertaneja como nenhuma outra.

Escritor

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