A minha campanha

A MINHA CAMPANHA

As lembranças misturam-se com evocações e tudo se torna uma poesia simples e singela de uma menina que viveu aqueles dias.

A velha camionete Chevrolet de cabine simples, carregava na carroceria a turma de meninos e meninas que cantando e gritando iam em férias para as Três Tarumãs, onde comeriam milho assado, pão caseiro, churrasco de chão e tomariam banho de sanga. Era o paraíso para os cinco irmãos, mais para uns do que para outros que já tinham que lidar com o gado no campo, mas que nas noites enluaradas jogavam pontinho na mesa da cozinha e depois vinha o pôquer com grãos de feijão e finalmente a canastra de duplas ou trincas. Era uma festa. E para encerrar a bisca, que eu nunca aprendi a jogar e então ia deitar para ler um dos inúmeros livros que trazia para as férias.

As histórias dos livros confundiam-se com a realidade da família e eu inventava novos personagens e novas situações em que misturava o que lia e o que vivia. Infelizmente não registrei esses devaneios que poderiam ter sido bem úteis para futuros escritos. Azar. Em algum lugar, talvez na minha emotividade estejam guardados estas impressões daqueles dias lá fora, reunida com a família. Meus pais ainda eram moços e nós adolescentes.

Eu já morava em Porto Alegre e estudava na UFRGS o curso de engenharia, mas as férias com a família eram sagradas. Arrumava a mala com uns cinco ou seis livros inéditos, alguns vinis para escutar em Bagé com meu irmão menor. Bem, pensando melhor, talvez estas férias que me recordo seja única e seja específica. Não são várias como eu pensei no início, mas uma só ou duas no máximo, elas se confundem e tento lembrar de coisas marcantes que me situem no ano e na época em que aconteceram. Bem, talvez tenha sido um único livro que me marcou tão profundamente que as férias pareceram especiais, mas qual seria?

Lembrei de um namorado, ou de um cara, que eu gostava muito e lembro de ter perguntado para o meu pai o que ele achava de eu ser freira. Ainda bem que ele teve o bom senso de dizer que isso não era para mim. Já sei! Nestas férias eu estava apaixonada! E o livro era Sobre heróis e tumbas de Ernesto Sábato. Tudo tinha um colorido inédito e novo. Vários livros estiveram neste período: O jogo da Amarelinha, de Júlio Cortázar; O Marinheiro de Gibraltar, de Marguerite Duras; O Castelo no Pampa, de Assis Brasil. Sim! recuperei a literatura da época, a paixão pelo tal cara, as férias lá fora com toda a família e sim: um detalhe importantíssimo: eu ainda não tinha adoecido, tudo estava intacto, eu ainda era inteiramente quem fui na juventude, minha família me olhava de outra maneira, sem preconceito, sem receio de minha loucura. E talvez, estas tenham sido as últimas férias em família que tive, por isso tão marcantes. A paixão acabou e a poesia começou meio sem graça, mas com a força de sobreviver durante trinta anos e apesar de novas paixões, que também se acabaram, estão registrados em folhas, cadernos, livros os versos que nasceram junto com a minha doença. E que podem trazer a dor da doença, mas também a beleza da poesia, esta que me trouxe a alegria de criar algo totalmente meu e que me recuperou a auto estima e o amor próprio. Então apesar de lembranças tristes, de passados que morreram, ainda há em mim a doçura de dizer a palavra sublime e cantar os versos únicos e só meus.

Magda L Carvalho
Enviado por Magda L Carvalho em 05/02/2019
Código do texto: T6567711
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