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Obviamente eu fiquei como Quasímodo com o incêndio em Notre Dame, uma construção de 850 anos, carregada de história e resistência. Patrimônios culturais se destruindo é uma faca na barriga histórica do globo.

Da mesma forma, sofri com o Museu Nacional do Brasil em setembro do ano passado; com Museu da Língua Portuguesa em 2015; com o Cine Teatro Ouro Verde aqui de Londrina em 2012 e fui, feliz da vida, numa apresentação da Maria Alcina cinco anos depois, quando ele foi reinaugurado. E me entristeço com tantos arquivos queimados, sem entrar no mérito das causas.

Entretanto, eu sigo dormindo meu sono dos justos enquanto os prédios em Muzema desabam e ninguém no Instagram posta selfie na frente deles. Ninguém os via. Tragédia é tragédia, ouvi dizer. Eu também, como a Maria, segui minha rotina mesmo sabendo que um pai de família foi alvejado com 80 tiros pelo exército diante da esposa e filho, e isso talvez faça a minha sentença, culpada.

De cá, faço prece. Mando e-mails para a câmara de vereadores da minha cidade pedindo que consertem a calçada da creche. Penso em Moçambique e nas minhas sobrinhas. Peço um chá de camomila e um café sem açúcar.

Volta e meia, é um vendedor de sonhos – que nunca me vendeu coisa alguma – quem me traz a realidade. Mas ele faz isso sem perceber, e talvez não faça ideia do quanto nossos 700km de distância ficam ainda maiores quando um sentimento meu é reduzido a tão pouco.

O amor é um patrimônio histórico constantemente incendiado. De Notre Dame à Muzema, doa-se ao que for mais publicidade e likes no Instagram. Quanta ignorância! Como se miséria tivesse um sentido mensurado – no amor ou na história. Pasmem!

#TextoDeQuinta

Marília de Dirceu
Enviado por Marília de Dirceu em 18/04/2019
Reeditado em 18/04/2019
Código do texto: T6626584
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