SAUDADES VALIOSAS

Saudade valiosa é aquela sentida e retida como aprendizagem, que afaga carinhosamente a memória, que faz sorrir e faz chorar, que nos deixa mais próximos dos distantes. O recente falecimento do padre Pinto (José de Souza Pinto), da diocese de Salvador/BA, acende-me a oportunidade de falar dos sacedortes da Igreja que muito me ajudaram a entender a vida, o paraíso além do nosso tempo para onde queremos voltar, pois provavelmente foi de lá que viemos, puros e cheios de graça.

Conheci padre Pinto na Paróquia de Nossa Senhora da Conceição da Lapinha. Estivera no Largo da Lapinha para conhecer melhor importantes e marcantes símbolos da liberdade da Bahia. Quase por acidente, na porta da igreja, esbarrei no padre Pinto. Sem batina, portando colares e vestindo camisa branca, larga, rendada, à primeira vista, sugeria alguém paramentado para ofício de terreiro. Expus meu contentamento por sentir nele limpeza de preconceito. Foi o suficiente para uma boa conversa sobre sincretismo religioso, ecumenismo, teologia da libertação, preconceito religioso e coisas afim. Aprendi muito naqueles breves momentos. Vontade nunca me faltou de lhe renovar a visita. Aguardei, em vão, a oportunidade. Isso ocorreu antes daquele episódio em que ele fora advertido por usar traje de orixá durante as festividades do Dia de Reis em 2006. Comportamento que infelizmente lhe custou afastamento da Paróquia da Lapinha e recolhimento na Casa de Retiro Sagrada Família. Senti saudades de sua exuberante alegria transparente pelo sorriso franco e sonoro.

Passados anos, traria esses mesmos assuntos às conversas que mantinha com Frei Elias, sacerdote de nossa paróquia em Alcobaça cuja saudade já manifestei por vezes repetidas em minhas crônicas. Com esse fabuloso franciscano viajava em prosa que ultrapassava fronteiras. Por último, falávamos com muita frequência sobre os objetivos e funções sociais da Igreja. Incluíamos nesse menu o relacionamento entre sacerdote e fiéis, das mútuas conquista e confiança que devem ser perseguidas nessa comunhão. Chegamos a pensar na necessidade de um planejamento prévio para as atividades sacerdotais que se levasse em consideração os objetivos a alcançar. Ou seja, utilizar instrumentos metodológicos de planejamento e reduzir a improvisação para ser mais preciso (talvez até pragmático). Citei inclusive um padre de Brasília, da paróquia de Santa Rita de Cássia que tinha sua homilia impressa e meticulosamente estruturada, segundo os fins propostos, para evitar divagações levadas pela improvisação. Soube que outros padres seguiram e ainda adotam esse formato de homilia, alguns até com distribuição do impresso entre os fiéis. Frei Elias concordava que, para jovens e inexperientes sacerdotes, escrever previamente sua homilia é exercício altamente positivo e recomendável para ser breve, objetivo e não se perder a linha de raciocínio. Isso evitaria o xarope da repetição verbal que termina por estender desnecessariamente o discurso sacerdotal.

Contudo, o mal que permeia o jovem sacerdote não se prende apenas às homilias longas e de pouca objetividade. Costumam cobrir sua lacuna cultural repetindo jargões já fora de moda sob a moderna perspectiva papal. Por exemplo: sem quê e pra quê, do nada, condenam o sincretismo religioso na Bahia – logo na Bahia! Não passa de provocação inoportuna que cheira a forte a preconceito. Sem mais o que fazer, bisbilhotam a vida alheia para identificar descasados e recasados a fim de negar-lhes a comunhão eucarística.

Mais lamentável é que sacerdotes de pouca cultura sequer se atualizam com as palavras e ensinamentos da autoridade maior da Igreja. Por exemplo, enquanto o Papa Francisco ensina que a chave entregue por Jesus a São Pedro e seus sucessores tem como objetivo abrir as portas do céu, os obtusos padres a usam para fechar o caminho da eternidade.

Por isso, sinto também saudades de Pedrinho Guareschi, padre, intelectual, sociólogo e, sobretudo, amigo. Ainda vivo, graças a Deus! Quanta coisa aprendi com esse divinamente iluminado professor em nossas vesperais brasilienses refrescando os dedos no copo de chope. Se já era de minha índole rejeitar as empulhações da mídia, douradas e adoçadas com argumentos montados para convencer incautos, foi com padre Pedrinho que me tornei bravamente resiliente às novidades marotamente trapaceiras. Nossas vesperais pareciam mais uma revista crítica das novidades da semana, ou melhor, das mais recentes armações plantadas pela mídia para favorecer este ou aquele poderoso grupo. Atualizávamo-nos usando e abusando do exercício da análise para identificar a serviço de quem e com qual intenção a matéria fora divulgada. Como vivíamos os anos de chumbo e da repressão, era fácil reconhecer o sentido das procelas políticas naquele revolto oceano de imposições.

Por fim, ainda guardo com carinho lembranças da convivência com o padre José Koopmans. Vale ressaltar e, mais que isso, louvar sua solitária e incansável luta contra as atividades predatórias ambientais na região do extremo sul baiano. Primeiro, a dos grileiros que dizimaram os pequenos produtores rurais para negociar latifúndios ricos em madeira. Pouco demoraram para devastar nossas florestas extraindo madeira de lei. Na triste paisagem de tocos experimentaram - sem sucesso - criar gado. Pastos tornados insustentáveis viraram florestas de eucalipto. Nesse imbróglio, secaram nossas nascentes, acabaram com a fauna e fizeram nosso solo pobre leito de voçorocas. Padre Jose Koopmans não deu trégua aos grupos econômicos predadores. Combateu-os em suas obras publicadas, nas palestras e onde pudesse falar. Em suas breves e objetivas homilias não perdia a oportunidade de passar aos presentes lições de simplicidade, fosse social, religiosa ou profissional. Magistralmente, fazia uma compreensível vinculação da qualidade de vida humana com o equilíbrio ambiental.

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 20/04/2019
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