Dominação literária

Eu precisava escrever.

Lançar as palavras como flechas num campo de treinamento, com a precisão de quem acerta o alvo e a premissa de uma recompensa digna de um sacrifício heroico.

A palavra é uma amiga antiga. Uma vampira do tempo. Não envelhece, amadurece. Domina o ápice do conhecimento e os meros mortais que dela se utilizam para desaguar as dores e delícias da vida.

Já eu... Ah! Eu escrevo como quem chora perdido no reino quântico. Como uma criança órfã em plena noite de Natal, como aquela mãe que lembra, saudosa, os três anos da partida do filho querido.

Escrevo porque preciso. Escrevo para não enlouquecer nessa geleia modorrenta que chamamos de sistema.

Escrevo angustiada, como um goleiro na hora do gol, e ouso parafrasear o amado Bel numa reflexão que é digna de um Oscar.

Ao escrever liberto-me das convenções sociais e aprisiono-me num novo vício, o de jogar palavras ao vento. Sexo, drogas, rock’in roll. Legaliza o aborto, o porte de armas, a maconha, a prisão perpétua. Chama o Batman para cuidar do País. Um espaço que é campo minado, terra fértil. Meus texto, minhas regras; já dizia o adágio feminista/cibernético/popular. Aqui o vilão vence, o mocinho perde e a gente ri, sem o olhar de julgamento do outro, sobre as desgraças alheias.

Escrever não é difícil. Difícil é calar a voz inconsciente que me grita o tempo inteiro. Calar a voz, calar as vozes. Me faço de rogada, mas elas continuam uníssonas, imperativas, perturbadoras.

Escrevo para dar voz às vozes, e para calá-las. Escrevo como uma religião, um princípio, um dogma quase que absoluto. Escrevo para não morrer, e pelo medo de morrer que me dedico, e eternizo, no desafio de escrever.

Lívia Couto
Enviado por Lívia Couto em 21/04/2019
Reeditado em 26/07/2019
Código do texto: T6628954
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