Indeterminação

Em busca de refúgio recorri à escrita, tentando colocar em palavras os sentimentos repugnantes que me rodeiam, tentando, por meio de letras, formar sentenças coerentes que transcrevam as diferentes coisas que se passam na minha cabeça.

Minha mente está caminhando para a ruína, em determinado momento da minha existência comecei a fingir demência quanto às minhas vontades e agora, beirando os dezessete anos, me arrependo amargamente por ter feito tudo aquilo apenas em buscar de aceitação, mas como sair deste ciclo vicioso?

Vivendo como em um livro muito mal escrito, tenho fortes inclinações ao fracasso e mesmo tentando fielmente, não consigo vencer o forte clima de suspense genérico que se instala quando o assunto é a minha vida, esta me perturba desde que tenho algum neurônio que me faz raciocinar além do "Mamãe" e "Papai" que aprendi na época de berço, mas perturbar-me é o de menos, além de passar lenta e torturantemente ela faz questão de me pregar peças o tempo inteiro, embora sejam peças previsíveis, como em histórias de mistério escritas para crianças, o culpado está sempre bem visível.

A vida se assemelha aos artigos, estes podem se modificar de várias formas, assim como podem definir certos aspectos dentro de um texto e tendo como base esta visão, a vida é mutável, se adequando à cada ser existente neste mundo sensível, salientado por Platão como um mundo ilusório e meramente feito de cópias, e assim também podendo definir o destino que estes seres terão, obviamente com a ressalva de que o contexto pode modificar a função do artigo.

De certo modo, o que me conforta é que existam palavras para que eu possa, tanto retratar a minha realidade, quanto fugir dela, dentro das milhares de frases e orações que formam-me tento, diariamente, corrigir os erros que cometo e, como em um advérbio de negação, as circunstâncias estão sempre tendenciosas ao negativo, na minha vida não é diferente, se algo pode dar errado, dará errado.

As palavras, ainda que sejam objeto de minha admiração, podem ser usadas como espadas afiadas, prontas para ferir qualquer um que ousar contrariar o que dizem, creio que a arma mais poderosa disponível para nós seja a palavra, pois uma vez dito, jamais poderá voltar atrás.

Dentro de minha própria casa vivo como um aposto que pode ser retirado da oração sem que ninguém dê por sua falta, vivo isolado entre vírgulas, por isso pouco se importam se estou vivo ou não, a minha voz nem se quer é ouvida, logo eu que sempre adorei me expressar preciso calar-me.

E vivo assim, omitindo-me tanto, que dentro de mim se formaram livros inteiros de tantas histórias, sentimentos e opiniões que escondo do mundo, e de mim mesmo, preferindo abafar quem de fato sou para não afugentar os poucos que ainda suportam o tufão de adjetivos ruins que acumulei com o tempo.

Tento sair do ciclo vicioso de ódio e rancor que me tornei, mas parece inevitável, minha total falta de controle me assemelha ao verbo "ser" totalmente irregular, fui ensinado dentro da regularidade que a sociedade impõe, embora não possa evitar, sou diferente do que se diz "normal" e serei assim por muito tempo, pois é de minha natureza a aversão ao similar, busco certa singularidade.

Mesmo buscando ser singular não saio do anonimato e sigo escrevendo textos que servem-me como terapia, em um mundo onde existem tantas formas de se expressar por meio de palavras, escolhi a escrita, mas ainda mantenho sentimentos escondidos permanecendo como um eterno sujeito elíptico, me oculto dentro de um tanque de adjetivos que nem se quer me pertencem.

Gostaria de algum dia deixar de ser este sujeito passivo na vida, agir de fato, ser o agente desta minha vida passiva, praticar a ação expressa pelo verbo e pela primeira vez ser o núcleo de alguma coisa, sair da indeterminação na qual vivo.

Brenda Nascimento
Enviado por Brenda Nascimento em 21/04/2019
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