O MEU CASULO

Consta que em fotografia (por exemplo, vi uma tirada em Évian-les-Bains, estância hidro mineral, 1905) o escritor MARCEL PROUST sempre aparece vestido com eternizado sobretudo e diz-se que o usava, mesmo em casa, sozinho. Não um estilo e sim uma espécie de escudo protetor emocional... Este sobretudo está exposto no Museu Carnaval et, em Paris, guardado numa imitação de seu quarto, em uma caixa de papelão: relíquia sagrada. É trespassado na frente e fechado por uma fileira dupla de botões. ----- Não sou famoso e minha roupa jamais se fará histórica num museu nacional. Meu protetor sobretudo é interno, invisível, nem ao menos sei de que tecido é feito. Neutra e apagada cor bege, talvez, com a nova nomenclatura de 'nude' (cinza é cor ainda mais triste: sugere cremação). ----- No fundo, a (escolha da) solidão é o sobretudo, o amado casulo em que nos escondemos a espera da metamorfose, a transformação... Mas... a espera de quê? Ou apenas um coitado qualquer se esconde, sem esperar coisa alguma? ----- Quando alguém diz "Nunca mais amarei ninguém - é a única maneira de não sofrer enquanto definho sozinho", está se enclausurando, criando seu próprio casulo - o sofrer sozinho foi uma escolha muitas vezes decisória, definitiva. Não. Deste casulo nunca sairá inseto algum, menos ainda uma linda, coloridíssima, esvoaçante e inquieta borboleta. ----- Tenho um AMIGO que se esconde - só faz compras a dinheiro: ninguém sabe seu nome, quem ELE é, onde esteve, o que comprou... Tem cartão magnético, funções crédito e débito, porque o banco enviou, mas não usa nas lojas. Alega que não interessa a ninguém onde andou, o que adquiriu, qual o preço. Não quer ser localizado, não quer hábitos expostos "ao mundo", diz ELE. É um recluso por opção. Metáfora. Este é o próprio casulo. ----- Não sei se haverá uma abertura feliz, um retorno à vida. ----- Valerá a pena extinguir antigas dores e abrir o MEU casulo?

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HQ - "A cabeça é a ilha", de ANDRÉ DAHMER --- HOMEM, aqui embaixo, olhar para cima - "Deus, aceita uma crítica?" ELE nada responde. HOMEM, novamente: "Você é pouco comunicativo." / Mesma cena. "Deus, fale comigo." ELE responde - "Se você não é cliente, digite 1. Se você quer agendar uma visita, digite 2." / PAI - "Você já tem idade para agredir outras pessoas pela Internet." FILHO - "Não, papai, eu quero ser tolerante quando crescer." PAI - "Tolerante e solitário." / JOVEM, filosofando sozinho - "Por pior que fique a situação, o importante é sorrir. Sorrir afasta as coisas ruins, entre elas a realidade!" / ELE - "É obrigatório passar a vida sorrindo?" ELA - "Exato." ELE - "Parece um pouco cansativo" ELA - "Muito. É como se você jamais pudesse fechar os olhos para dormir." / DUENDE ao homem, calado - "Compre por tédio. Compre para espantar a tristeza!" HOMEM se agita e sai empilhando ao acaso quaisquer mercadorias. DUENDE - "Coisas que você só usará uma vez! Livros que você nunca vai ler! Mais prateleiras! Mais prateleiras!" (O duende acumulador pegou você.)

FONTE para inspiração:

"Proust no casulo", JOSÉ CASTELLO - Rio, jornal O GLOBO, 10/3/12.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 04/05/2019
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