PARA O MUNDO OU O MUNDO PARA

Era um privilégio, eu sendo este poeta menor que sou, saber que aquela mente brilhante me admirava. Foram muitas as suas declarações, inclusive públicas, do apreço que tinha pela minha história, meus escritos e a postura de cidadão que superou a fome, a rua como domicílio, a ignorância e a baixa autoestima, sem abrir mão da própria essência.

Tenho sincero e grande amor por essa pessoa que faz parte de minha história como conselheira e grande incentivadora de minhas atuações modestas como educador e escritor de prestígio restrito à região em que atuo. Mas confesso que agora trago em mim algum desencanto, por constatar que depois de algumas divergências de cunho estritamente sociopolítico sobre o que não exigia um ranking de conhecimento acadêmico nem de ciências exatas, apenas escolhas e visões pessoais, o seu apreço por mim caiu por terra. Não houve declaração de guerra, mas instalaram-se a frieza; o silêncio; a distância velada pela permanência gentil na minha lista de contatos em rede social.

A minha maior tristeza foi a profunda constatação de que fui permanentemente subestimado como cidadão de pensamento próprio. Capaz de minhas escolhas e decisões de natureza existencial. De minhas preferências ou ideologias políticas, sem a obrigação de pedir eternamente bênçãos. Foi saber do pensamento secreto de que a minha dívida humana, educativa e até social jamais me permitiria seguir caminhos próprios. Ter pensamentos livres, ideais ou ideologias opostas, o que não me faria (não fez nem nunca fará) ter menos amor, consideração e reconhecimento por essa e tantas outras pessoas tão importantes na história pessoal que tracei com suas co-autorias para sempre marcadas no coração.

Alguns preços humanos ninguém pode pagar. Por mais que tente, queira e reconheça dever. É da natureza humana o ser livre para ser quem é. Descobrir que há vida inteligente além da tutela de quem deu a mão, ensinou a viver e deveria (sinto muito, mas deveria) deixar o tutelado seguir seu rumo por conta e risco próprios, pois essa é a grande bênção da educação. Ensinar a voar, para voar. A ser livre, para se livrar, inclusive das asas ou das sombras de quem ensinou. Fazemos filhos e os criamos para que os filhos façam e criem seus próprios filhos, que farão o mesmo, e assim por diante. Pais, tutores, mestres e mecenas têm essa missão em comum. Dar vida e criar para o mundo. Ensinar para o mundo.

Aos 58 anos de idade, criei uma filha e crio mais uma. Como educador já formei muitos alunos, e como escritor, incentivei como pude alguns jovens iniciantes nas letras, inspirado por quem fez o mesmo por mim. Todos para o mundo. E se os admiro, é realmente a eles que admiro, sejam iguais ou diferentes de mim. Não vejo mérito em me admirar neles.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 04/05/2019
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