UM DIA DE MENDIGA

A casa estava com suas portas e janelas muito bem fechadas para impedir a entrada do vento gelado daquele rigoroso dia de um inverno sulista, e dentro dela os três irmãos se divertiam com seus brinquedos sem ter com que se preocupar, senão, em arrumar tudo que espalhavam no chão da sala.

Vez em quando a voz de sua mãe eclodia num ralhar autoritário na busca de mais sossêgo e silêncio, e tudo era maravilha entre as quatro paredes daquele abençoado lar.

A mãe sempre aparecia repentina na porta da sala, com a única intenção de vigiar uma de suas crias que sempre apresentava sérios problemas de saúde durante qualquer período frio e levava em conta que as pneumonias estavam rondando muitas crianças. Dai a sua vexatória preocupação em se prontificar a exercer uma vigília cuidadosa.

De repente a dita criança começou a tossir e tão logo seu quadro se agravou febril. Mais que depressa sua mãe a pôs nos braços e, juntamente com os outros dois filhos, foi ao hospital. Lá, tudo ocorreu dentro da normalidade e após a devida medicação só restava retornarem para casa, e foi ai que a mãe, já se sentido bem calma, lembrou-se que havia pedido carona a um vizinho para socorrer sua filha e levá-la ao hospital e na euforia do momento ela se esqueceu de pegar dinheiro. Agora não tinha como pagar a passagem do ônibus.

Ao médico ela se explicou e pediu dinheiro, mas este lhe disse não ter nenhum valor nos bolsos e lhe aconselhou pedir às pessoas da sala de espera. E assim, vergonhosamente ela fez: pediu a um, a dois, a três, quatro, cinco, seis e as respostas eram sempre a mesma: - não tenho!

O desespero se aproxima junto ao anoitecer e a mãe decide entrar num ônibus, e aos solavancos ela protegia a si e a seus três filhos menores. Em seguida ela disse ao motorista:

- Moço, por favor me ajude, estou sem dinheiro.

Sem tirar o veículo do lugar, o homem lhe respondeu gritando:

- Pode descer! Sem dinheiro não vai a lugar nenhum!

Uma mulher que estava sentada próxima ao motorista não gostou do que ouviu e abrindo uma sacola assim ela procedeu:

- Escute aqui camarada: como pode você tratar uma mãe de família desse jeito? Você tem mãe? Tem filhos? Tem mulher? Pode ser, até, que os tenham, só não tem sensibilidade e nem vergonha na cara. E tirando umas cédulas da sacola jogou-as na cara do motorista e disse-lhe: - toma, toma, toma o dinheiro da passagem dela.

O ônibus, cheio de passageiros, saiu do lugar sem que se ouvisse qualquer voz senão a da mãe agradecendo a valiosa gentileza de uma estranha.

José Pedreira da Cruz
Enviado por José Pedreira da Cruz em 04/05/2019
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