Ritual Bancário

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Ritual de banco é uma das coisas mais insuportáveis do nosso tempo. O estresse já começa na porta eletrônica que, com certeza, deve ser muito semelhante ao complexo de defesas de um portão das Muralhas de Constantinopla, no Império Romano. E não importa a idade ou condição física. Seremos sempre recebidos como suspeitos e sujeitos a inúmeras tentativas de ultrapassar o hercúleo obstáculo da entrada, ao ruído dos berros do soldado responsável pela defesa, indagando sobre moedas, sombrinha... e ainda tendo que suportar aquela voz irritante repetindo "a porta detectou excesso de metais."

A seguir, vem o problema da senha. Se não tiver atendente, há de se mergulhar em uma zona abissal de constrangimento em círculos, porque voltamos sempre ao mesmo ponto de partida até conseguir entender (ou não) mais um grande achado da tecnologia de ponta para se obtê-la. E como aquele tal soldado otomano, com vestes atualizadas, parte do princípio que fomos previamente preparados para lidar com a nova engenhoca, ele não move um dedo para ajudar. E ai de nós se mover, porque vai ser aos berros, sob uma neurolinguística humilhante e com direito à plateia! Em cada banco é uma estória. No meu caso ali, na Tijuca, eu teria que adivinhar, nas diversas etapas do processo, que eu faço parte da opção "PESSOAS ESPECIAIS". Ora, depois de só faltar me despir completamente para atravessar a porta eletrônica e ser tratada feito um bárbaro a fim de saquear tudo ali, não poderia mesmo nunca me imaginar inclusa na tal opção. O fato é que eu tinha até meio-dia para realizar uma operação bancária. Como o banco em questão tem duas entradas, tive que me submeter a mais um esculacho dos gorilas da porta de cima. Vendo que um grupo de pessoas iria entrar na minha frente, obter a senha, e ser atendido com certeza antes de mim, me recusei aos procedimentos necessários para mover novamente aquela rocha eletrônica e joguei no chão tudo o que eu tinha nas mãos, penetrando com a minha fúria no ambiente. Aí, fui pra cima da máquina para retirar a senha, tentando não esquecer da opção "pessoas especiais", mas o segurança veio pra cima de mim, dizendo que eu não poderia deixar minhas coisas lá fora. Ao mesmo tempo que eu retirava a senha (e dessa vez acertei), explicava a ele que eu ia sair e colocar tudo no armário: - a chave, por favor! Tive que repetir essa frase inúmeras vezes porque ele realmente estava sem condições de entender a minha postura desbravadora com um poder de decisão maior do que o seu cacetete.

Enfim, depois de um chá de espera, consegui realizar a operação bancária, às 11:38 da manhã, me sentindo protagonista de uma ópera tragicamente grega, tomada de fúria e opressão, quase que erguendo os braços para o Olimpo em busca de Zeus ou talvez desejando me enfiar num buraco que me levasse ao Hades para encontrar algum chifrudo que, por mim, pudesse fazer justiça.

Lembrando Marcuse, filósofo alemão, "o mundo caminha para uma direção contrária à natureza do homem". E a coisa chegou ao ponto de as criações evoluírem (e até serem humanizadas) antes das criaturas. E o resultado disso é que a cada dia surge um modus operandi para lidar com as máquinas e até com as malditas torneiras metidas que se negam a liberar uma gota d'água, a menos que você faça um curso antes de entrar em um banheiro de um shopping.

Acredito nas boas intenções do Princípio Inteligente ao ter criado o mundo e o imundo. Ele deve pensar até hoje que somos capazes de entender que o imundo deve ficar fora dele e que o planeta Terra, nosso mundinho azul, deveria ser um porta-joia contendo o que há de melhor da natureza e de nós. Só que o homem transformou o recipiente planetário em uma caixa, de Pandora obviamente, onde se acha de tudo do mundo e do imundo. E agora também as parafernálias com poderes de reduzir pessoas a uma ameba, tamanha a dificuldade de se lidar com elas.

Uma coisa é certa, se este planetinha fosse mesmo um porta-joia, eu gostaria de ser uma wondeful woman. Porque, caso eu fosse, daria uma voadinha lá fora e meteria um cadeado nesse receptáculo, depois de umas baforadas de inseticida e gás paralisante. Aí aquele maldito do banco ia ver com quantas cacetadas se move uma porta eletrônica!