"Em busca do tempo perdido"

Um dia papai levou-me para estudar matemática na Universidade. Entendi bulhufas. Mas me encantei com seus segredos. A Universidade era cheia de colunas gregas, dóricas, jônias, como essas naus que atravessam os campos da história e deslizam incólumes pelos séculos. Os corredores eram longos e as salas revestidas com tábuas corridas, e na cabeça do menino, em corredores assim tão longos e salas de tábuas corridas, algo de muito importante deve acontecer. Havia um orgão, haviam estantes apinhadas de grossos livros, estantes gordas, robustas como se fossem boteros, estantes altas, que se elevavam aos céus. A presença da universidade em minha vida vem daí. A impressão que a universidade é uma cidade do espírito, o templo da cultura, foi incutida em mim quando ainda era menino. Sabia que meu pai havia feito três cursos universitários, e que minha mãe também fora universitária, e isso me parecia “cousa” muito grave e profunda, e me enchia de orgulho. Já mais moço, fui com o irmão estudar Filosofia na mesma Universidade. Era ainda muito novo para ser universitário, mas lá estava, não como acadêmico, mas como um adolescente curioso tentando entender os “por quês” e os “comos” do mundo. Estudamos os mais variados pensadores e suas obras, e, entre quatro paredes, fizemos a leitura minuciosa do teatro de Sartre. Um dia fiz as vezes de Garcin, lendo as falas do personagem.

Escrever pequenas memórias e impressões é uma forma de redenção. De nos reconectar e reconciliar com a própria história. Vou lembrando de casas e causos, e as coisas vão renascendo. Elas, que estavam desbotadas, ajambradas nos porões da memória, vão emergindo em processo maiêutico*, ganhando novas tintas. As vezes vivemos para contar, como diria Gabo, outras, contamos para viver.

E ao contar, e re-viver, é como se renascêssemos da água e do espírito.

“Vê! Todas as coisas se fazem novas”.

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*Maiêutica: Do grego, “trazer à luz”, “arte do parto”. Na dialética socrática consiste em, por meio do diálogo, trazer à luz o conhecimento, promovendo a reminiscência das ideias (eidos, formas puras).