Se meu carro falasse, logo quando acionasse o controle anexo à chave, abrindo-o, ele já diria todo espetado: Corta essa unha que controle não é à prova de garras, onça pintada suburbana e, nem tem seguro contra arranhões. Custa caro uma reposição original de chave.
Ao sentar não exitaria em dizer que os bancos, não são á prova de jeans abarrotados de etiquetas e metais e que já estão fora de moda, apesar da insistência em tê-los em bolsas, calças, jaquetas, um tipo "dente de ouro em cigano" tão preso ao passado: cigano agora usa porcelana e lentes.
Diria ainda que sou temperamental, no quesito ouvir músicas então. Aliás, de uns tempos pra cá anda bem diversificado o seu tipo musical, mocinha: vai de clássica à sofrência, sem dó e nem piedade, terminando com sai, sai, sai da minha frente. Das lágrimas ao riso estérico.
Que o meu pé é quente e que acelerador de veículo não funciona como a mente: mente acelerada tem remédio, carro acelerado, reação desordenada, incontrolavelmente inseguro. Por falar em seguro, o meu vence na sexta-feira louca do feriado, vê se antecipa a renovação, tem desconto de não utilização, não acaba com ele nas suas viagens interpanetárias os pensamentos inonimados e ao vasto mundo de captação de problemas para pensar em soluções imediatas em local e hora impróprios.
Ia viver repetindo: seta pra direita, digo seta do lado que escreve porque não tem muita intimidade com as noções de navegação pelo espaço sideral, além do mais, vertical e horizontal dançam samba na sua mente. Demora mais vai. Primeiro passo é Partida. Segundo Nulo. Terceiro Ré ou Direção, e pisa no freio. Odeio arrancos. Dá ânsia.
Se meu carro falasse, iria contar as minhas conversas infindáveis com o retrovisor, ou quem sabe a minha cara de choro refletida nele quando o cansaço me consome, ou ainda apresentaria o risinho do batom.
Iria revelar meus segredos mais íntimos, tipo ir ao Adro de um santuário e ficar lá, no estacionamento, vendo a cidade como se fosse um quadro, enquanto o stress está queimando a minha mente.
Entregaria meus palavrões, quando um motorista desatento provocasse um break insusitado e inesperado.
O meu carro vomitaria, pós tomar uma dose de gasolina adulterada e me culparia por querer ir num posto mais em conta. Sem bandeira jamais, diria ele.
Ele ia cumprimentar as placas, agradecer ao portão eletrônico, pedir pra comprar acessórios no semáforo, dar tchauzinho pro fusca azul e fazer racha com os moderninhos implacáveis.
Querendo um número da sorte, ia pedir pra desembolsar uns 600 reais pra ter 13 e 07 juntos na sua placa.
Se falasse, dispensaria a psicanalista no divã, daquela sala fria, sem quadros. Com um banco aquecido, uma música e uma ar condicionado até meu inconsciente diria eu te amo pra si mesmo e entregaria alianças.
Se meu carro falasse, o Harbie, o fusca Californiano de tempo idos, um clássco da TV, não seria tão extraordinário.
Ah, se meu carro falasse, diria que já está cansado de tanto rodar a procurar de uma vaga de estacionamento porque insisto nas "provas dos nove" com Deus: Deus provê, Deus proverá...
Ah, se falasse retrucaria minhas falas e traduziria sentimentos em linguagem quilômetro por hora em área urbana sem semáforos.
E num ímpeto assintomático de cansaço, soprado na ventuinha, diria sem receio: - Poxa, me deixa em paz! Ao menos um dia. Vai de Uber, a pé, metrô, vassoura, mas me deixa aqui olhando aquela beldade vermelha, na minha direção; Mitisubishi, aí vou eu! Mas antes, lave-me, por favor!

(Imagens de domínio público retiradas da internet)
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 16/07/2019
Reeditado em 17/07/2019
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