Um sacrifício que não vale a pena

"Todas as famílias felizes se parecem entre si. As infelizes são infelizes cada uma à sua maneira."

Tolstoi

Sabemos muito bem que a convivência familiar não é fácil e que sempre haverá conflitos.Também não ignoramos que, se antes não havia divórcios e separações como hoje, isso não se deve ao fato de que as pessoas de antigamente eram mais maduras ou sabiam mais sobre o amor. Significa que, como havia a ideia de que o casamento era indissolúvel, as pessoas não se separavam, desquitavam ou divorciavam por causa do estigma negativo e pecaminoso que era atribuído a isso. E, com certeza, muitas pessoas levaram vidas infelizes por isso, vendo-se forçadas a aguentar casamentos que já haviam perdido a razão de ser. Quando algo perde sua razão der ser, não há mais por que levar adiante.

Entretanto, ainda hoje há casamentos que duram mesmo que a convivência tenha se tornado impossível. Vejamos bem. Não estamos nos referindo aos conflitos naturais que existem e que pessoas que se amam verdadeiramente devem trabalhar juntas para superar. Mesmo as famílias felizes têm problemas. Aqui, está-se falando de quando se casa com uma pessoa tóxica, insuportável, daquelas que submetem todos à sua volta a abusos físicos e/ou emocionais. Viver com tais pessoas é realmente desgastante e todos os sobreviventes dessas relações, sejam cônjuges e/ou filhos, falam do quanto se sentiam vivendo sob pressão constante.

Porém, há casos em que, mesmo quando o casamento se provou falido, um dos cônjuges - mais frequentemente a mulher - tenta "segurar" o casamento, dizendo que é pelos filhos, pois a desestruturação familiar afetaria as crianças. Soa como um sacrifício nobre, não? Entretanto, será que vale a pena? Ainda que seja pelas crianças? Será que os filhos gostariam de imaginar que o seu pai ou mãe abriu mão de uma vida mais feliz por causa deles?

Vale a pena você viver uma mentira, fazendo todos pensarem que vive um casamento feliz quando a sua vida familiar vai se destruindo? Quando você mesmo(a) vai se destruindo na convivência com uma pessoa que nunca irá mudar e forçando seus filhos a ver que você e o outro apenas se aguentam? No final, os próprios filhos - que são os por quem você diz se sacrificar - irão sofrer mais, pois viverão uma rotina que será um verdadeiro inferno. Quem é um cônjuge abusivo dificilmente não será um pai ou mãe abusiva. Pense bem: ao dizer que se sacrifica por seus filhos, você pode estar fazendo com que sofram mais. Isso é justo com eles? E pergunte a um filho se ele quer que você sacrifique sua vida e felicidade por ele. O mais provável é que não. Caso você um dia cometa o erro de dizer a ele tudo que sacrificou por ele, aguentando o cônjuge insuportável, sabe qual será a resposta mais provável? Será essa: eu nunca lhe pedi que fizesse isso. Se uma pessoa não gosta que lhe joguem na cara o mais insignificante favor, imagine como ela se sente se alguém lhe grita que desperdiçou sua vida por ela?

Apesar de admitirmos que pode ser que os pais os façam pelos filhos, também há a possibilidade - muito comum - de não se deixar o cônjuge por comodismo, pois deixar um casamento, mesmo que ele seja desastroso, implica uma mudança muito grande. Muitas são as pessoas que preferem não se arriscar e fingir que está tudo bem. No caso das mulheres, especialmente pode haver a hipótese de que seu padrão de vida irá cair e, como talvez ela dependa do marido, fique apavorada com a ideia de ter que de repente se ver obrigada a se sustentar e aos filhos, ainda mais quando ela não tem tanto estudo e, mesmo assim, tenha abandonado a carreira para se dedicar aos filhos. São várias as mulheres com curso universitário que optaram por deixar de trabalhar para se dedicar às famílias e, por terem se acomodado a uma rotina doméstica, sentem-se despreparadas para enfrentar a vida e assumir a responsabilidade por seu sustento, mesmo que seus diplomas garantam que são qualificadas. Assim, é mais "fácil" aguentar por longos anos um casamento que deixou há muito tempo de ser casamento, vendo o tempo passando e se prendendo a uma rotina estagnada que se sente que não leva a nada para um dia pensar nas chances desperdiçadas de ter tido uma vida mais realizada?

Pensemos bem. Filhos não devem ser usados como pretexto para abrir mão de nossos sonhos, prendendo-nos a um cônjuge que nunca será um companheiro de verdade e que jamais proverá nossas necessidades emocionais. E, para as crianças, viver nesse ambiente será nefasto. Elas terão sido privadas de um lar saudável e amoroso porque você não teve coragem de tomar uma atitude. Quer fazer algo por eles? Deixe o cônjuge, assuma a responsabilidade por seu destino e, ainda que a mudança traga insegurança, qualquer coisa será melhor do que perder sua vida numa rotina que destruirá sua saúde física e psicológica.