A MULTIPLICAÇÃO DOS PEIXES

O biólogo e consultor Ricardo Tsukamoto falava-nos sobre o milagre do pirarucu, peixe vermelho em tupi Guarani, enorme, que vive nos rios brasileiros, quase não se move e pode ser criado em pequenas áreas e resolver o problema da fome gorda neste país de tantos contrastes. Lembrei-me de um médico paraense ter-me dito que em sua terra ninguém morria de fome, tamanha a quantidade de peixes naquele Brasil longínquo, um verdadeiro milagre da realidade, o quê recordou-me uma leitura antiga, texto escrito há oitenta anos, dando uma interpretação singular à lenda da multiplicação dos pães e peixes, os quais saciaram a fome de cinco mil pessoas.

 

A passagem nunca fora bem-entendida. Não seria a fome física o ponto central da questão, senão a espiritual. E os assistentes mais próximos da preleção teriam insinuado ao orador que as pessoas estavam com fome, e o sermão deveria ser interrompido; o orador teria respondido que o pão do trigo alimentava uma fome passageira, mas o espiritual de seus ensinamentos representava um auxilio continuado, não para uma fome circunstancial, mas para saciar uma secular, de espíritos ávidos por conhecimentos.

 

Tais reflexões nos levaram a considerar que, pela abundância de peixes e escassez de conhecimentos, a fome física não deveria ser mais que uma consequência da espiritual. Deveríamos lutar pela educação, não somente a convencional, dos bancos escolares, senão a outra, a espiritual, humana, que deve nos levar a conviver pacificamente com nossos irmãos. O divisionismo só existe na ignorância, que é ausência de inteligência.

 

O famoso oráculo de Delfos, magnífica construção assentada às encostas do monte Parnaso, ostentava em sua fachada a enigmática inscrição celebrizada por Sócrates, cujo significado permanece obscuro até hoje: conhece a ti mesmo. Para lá se dirigia o viajante sedento de conhecimentos levando suas inquietações e questionamentos ao deus Apolo, do sol e da luz, da música e da purificação, da tranqüilidade, da beleza, o que conheceria a medida das coisas.

 

Dionísio (Baco para os romanos), o deus do vinho, da festa e do teatro, cujo culto era o das necessidades do corpo humano, conformava com Apolo o ideal grego de uma vida equilibrada entre as necessidades materiais e espirituais.

 

O templo de Delfos era de Apolo, cujas colunas lá permanecem até hoje desafiando o tempo. Conta-se que o deus falava ao viajante através da Pitonisa, sacerdotisa a intermediar o contato.

 

Esta crença de que os deuses falariam aos homens através dos sacerdotes influenciou as diversas religiões que sucederam aquele período histórico.

 

Deus pode falar a um ser humano através de outro. Para uma criança, os pais se confundem com Ele pela proteção, amor e conhecimento. Assim também o mestre, o instrutor, o professor, os quais, junto com o ensinamento, transmitem a amizade.

 

Deus não precisa de nenhum intermediário para ser sentido nas profundezas do coração, embora esteja presente nas palavras e atitudes de quem faça um bem para os semelhantes.

 

O Templo do Conhecimento, o oráculo onde cada ser humano pudesse consultar a Verdade, seria a sua consciência, cuja chama arde no interior de cada indivíduo. Como ela está afastada das preocupações correntes do homem moderno, encantado pelas ficções de um mundo luminoso, colorido e sedutor, ele não existe.

 

O encontro com o Templo do Conhecimento posterga-se até o dia em que o homem desperte do sono que o tem prostrado na indiferença, no materialismo e no desconhecimento de sua própria pessoa.

Escrito por:  Nagib Anderáos Neto

E-mail: neto.nagib@gmail.com

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