Libertas Quae Sera Tamen

Quem se depara com o título desse texto deve se perguntar por que diabos um dístico latino... Por que exatamente esse trecho, "Liberdade ainda que tardia", extraído da primeira Égloga de Virgílio e proposto pelos inconfidentes mineiros para marcar a bandeira da república que idealizaram, no século XVII, vem sugerir o assunto desse texto? Logo uma expressão latina, "antiquada" para os dias de hoje e apenas lembrada quando nos deparamos com a bandeira do Estado de Minas Gerais?

Pois bem, o que sugere a colocação de um título desse quilate não é, a bem da verdade, nada tão inovador e/ou revolucionário quanto a conotação que o dístico assumiu nos idos do século XVII, num país colônia chamado Brasil. Sugerido, na época, por Alvarenga Peixoto e aprovado por Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, todos exímios latinistas, a frase serviu como palavra de ordem para a Inconfidência Mineira, movimento revolucionário ocorrido em 1789 contra o domínio português. Não, o propósito aqui é bem outro e recai, talvez, em algo até sem importância: os blogs.

Até bem pouco tempo, como afirmei no primeiro texto postado aqui no Sapo, não sabia nem como iniciar um texto nesse pequeno quadrado que nos oferecem para postamos o que nos der vontade, independente de sermos ou não lidos, se seremos ou não "ouvidos" (eu, particularmente, penso que não). O que então me compraz a escrever algumas turvas linhas sobre algo quase que irrelevante, usado na maioria das vezes como diário pessoal, e não como laboratório de idéias?

A resposta para esse questionamento é simples e direta: a liberdade que os blogs proporcionam às pessoas de se comunicarem e de exporem o que sentem e pensam. Mas acima não afirmei que os blogs são, na maioria das vezes, irrelevantes? Sim, e são mesmo. Na minha opinião a maioria dos blogs espalhados pela web não têm importância alguma (inclusive este, de repente), a não ser para as pessoas que o escrevem e para um pequeno grupo que se identifique com ele. Do mais, servem apenas para serem guardados em quartinhos sujos de badulaques. Mesmo porque acredito que mais de 90% dos blogs que rolam na internet são produzidos com o intuito puro e simples de diário pessoal, ou melhor, de fofocas pessoais do cotidiano adolescente.

Todavia, mesmo nesses blogs há algo um pouco maior que a fofoca diária e irrelevante. Remeto-me à liberdade de expressão e à rapidez com que são "publicadas" idéias e fatos, a um baixíssimo custo. Talvez sejam essas as grandes vantagens de um blog. Em tempos em que as pessoas se encastelam em suas casas, tornando-se cada vez mais consumistas e individualistas, porém fragmentadas por diversas identidades*, essa ferramenta acaba atuando como veio comunicador (ainda que restrito) entre pessoas de um mesmo grupo. Ou seja, em tempos em que a liberdade é ainda mais limitada, Fulano escreve um texto e o repassa para Cicrano, que deixa seu comentário...

Essa rede acaba proporcionando a comunicação e a troca de experiências entre os grupos e até mesmo entre pessoas que gravitam em torno desses grupos. Mesmo que sejam mexericos interpostos e "enriquecidos" com imagens e vídeos, há a troca de experiências que, para esta ou aquela pessoa, dizem algo. Esse é também o papel dos sítios de relacionamentos, onde encontramos pessoas que há tempos não víamos e até conhecemos novas através das comunidades que freqüentamos.

Vejam bem que não sou um entusiasta dos blogs, fotologs e sítios de relacionamentos, irrelevantes para mim, ainda que eu tenha um blog e uma conta no orkut. Ao contrário... Como eu passei toda a minha adolescência distante da internet, ainda sou mais adepto da concepção de José Saramago, que diz que a carta é muito mais romântica que o e-mail, por exemplo, na medida em que naquela podemos esperar uma lágrima e neste não.

Ademais, se não sou um entusiasta desse novo veículo de comunicação, que é o blog, não deixo também de salientar sua relativa importância. Isso porque nele as pessoas dizem o que querem, com uma linguagem própria -- denominada, se não estou enganado, de internetês --, livre da padronização viciante da linguagem formal e que dialoga diretamente com a forma de ver e pensar o mundo das pessoas que a utilizam. Assim, é plausível uma pessoa publicar um blog falando de comida, fofocas, religião, sexo, literatura (ou tudo isso junto), sem o compromisso, por hora, de ser julgado pelo que escreveu, mesmo porque nem precisa assinar com o seu verdadeiro nome.

Contudo, se parar-se para observar é fácil notar que essa liberdade é limitada, não ultrapassando os limites impostos pela sociedade -- nem sequer ameaçando-os. Ou seja, além de as pessoas de hoje (como as de ontem) não terem liberdade, e os weblogs, como a internet colaborarem com o nosso isolamento, ainda existe o fato de que o que se escreve nesses pequenos "diários de bordo" não ser levado à sério. Isso sim é importante, e por isso que intitulei esse texto com a "máxima" latina: Libertas Quae Sera Tamen, mesmo que tal liberdade seja assaz limitada.

-----------------------------

* Ver Stuart Hall.