A BUSCA DA POESIA

A BUSCA DA POESIA

Nelson Marzullo Tangerini

A hora de me aposentar se aproxima. Sinto-me cansado e necessito de descanso, de viver uma nova vida, de dedicar-me intensamente à carreira de fotógrafo e escritor e de escrever, talvez, sobre o que presenciei dentro das salas de aula e de professores.

A paixão pela língua e pela literatura em momento algum se apagou em mim. Continua acesa, como a chama da esperança de ver um país melhor e mais justo.

Com entusiasmo, falei de Machado, Bandeira e Drummond, entre outros. Busquei eternamente o claro enigma da poesia da vida, quando ela estava muitas vezes ali, pertinho, diante de mim, para que eu a descobrisse e lutasse com as palavras. Como em Poesia, de Carlos Drummond de Andrade:

“Gastei uma hora pensando um verso

que a pena não quer escrever.

No entanto ele está cá dentro

inquieto, vivo.

Ele está cá dentro

e não quer sair.

Mas a poesia deste momento

inunda minha vida inteira”.

Pois a poesia da vida inteira está diante dos meus olhos, quando me lembro do meu primeiro dia em sala de aula, dos erros que cometi – e foram muitos - e dos acertos, que me vieram com a depuração e o aprendizado com o outro. Porque aprendemos sempre com aqueles que nos ouvem pacientemente ou nos questionam, na busca eterna pelo conhecimento.

Passei por momentos tensos, difíceis, com diretores obtusos e alunos endurecidos, mas também houve momentos de profunda alegria e emoção, quando recebi homenagens sinceras de alunos gentis, diretores sensíveis e professores libertários ou engraçados, em todas as escolas por onde passei.

Houve momentos em que, durante as aulas, eu falava para as paredes, o que me entristecia profundamente. No caminho para casa, triste, perguntava para mim mesmo o que estava acontecendo com cada um daqueles alunos ou comigo.

Guardo na memória um raro momento, quando avistava, da janela da sala , uma paineira rósea ou um ipê amarelo todos floridos e falava aos alunos sobre a personificação, pois as árvores, naquele instante, sorriam de felicidade.

Sobre o ipê amarelo, lembro-me de uma reunião pedagógica em que pedi aos professores que o olhassem por um instante. Ganhei um fora da coordenadora de língua portuguesa, que, chamando-me de idiota, me disse, na frente de todos, que, naquele momento, havia coisa mais séria e ser feita. Espantados com tanta grosseria, todos olharam para mim e para a estressada coordenadora, que continuou fumando desesperadamente os seus inúmeros cigarros.

Certa vez, creio que era dezembro, olhando pela janela da sala de aula, avistei, no terreno baldio em frente, um cavalo amarado sob um sol inclemente, sem nenhuma vasilha de água para beber. Pedi licença aos alunos, deixei a sala de aula e fui procurar o dono do cavalo na rua. Com vizinhos, que não estavam nem aí para o que estava acontecendo, consegui, ao menos, um balde de água para um pobre animal. E retornei para a sala, onde os alunos me olhavam com perplexidade.

De uma outra sala, podia-se ver o pôr do sol.

Liberei-os, era final de tarde, e permaneci na sala, onde escrevi sobre aquele momento mágico, que ainda hoje permanece em minha mente:

“Os alunos estavam todos na janela alvoroçados. Fui até lá para ver o que olhavam. Era final de tarde e o sol descia no horizonte. Fiquei também maravilhado diante daquele cenário. E percebi que o que menos lhes interessava era o que eu falava, naquela sala. Ali estava a poesia: o sol se pondo e a vontade deles de estar na rua, indo para a casa em bando, gritando pelo caminho até seus lares”.

Fragmentos desses momentos me virão à mente e eu, como escritor, tentarei demonstrar o que sinto e o que senti em sala de aula, quando sabia firmemente que estava preparando a futura geração que iria fazer um novo país.

[Aos meus amigos professores do CIEP 409, de São Gonçalo, RJ]

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 19/08/2019
Código do texto: T6723664
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