Miau Way

Tinha prometido a mim mesma que nunca mais me permitiria a um “carinha” desses em minha vida. Mas, como mamãe foi fazer sua primeira viagem internacional e não tinha quem cuidasse do dela, tive que ficar de babá. A mesma deixou-me algumas recomendações: – Limpe a caixinha de areia todos os dias; coloque refeições apenas duas vezes na tigela; troque a água com ele vendo e, principalmente, retire todos os seus souvenires do rack. Ele, como todo gato filhote, faz tudo de brinquedo. – Reforçou.

Essa última orientação deixou-me intrigada, porque meu gato que falecera a três anos não carecia de tantos mimos e era bastante disciplinado. – Nunca que eu iria me dobrar às vontades do gato dela e retirar as lindas miniaturas de animais silvestres que trouxe de minha viagem à Bonito no Mato Grosso do Sul e minhas réplicas das pirâmides do Egito que dava um toque de sofisticação à decoração do meu lar – pensei comigo mesma e já travando uma batalha imaginária com o bichano.

Passados dois dias da presença do Bola de Neve (esse é o seu nome) já se apresentavam em minha sala de estar um móvel com uma TV, um som e nada mais. Até meus tapetes, que estavam servindo de amoladores de unha pra ele, tive que retirar. O gato era um endiabrado. Como se não bastasse o incômodo causado pela brinquedoteca que ele elencara, as duas refeições, das quais a voz materna havia me alertado, tinham que ser servidas uma as cinco da manhã e a outra por volta de meia noite. Quem me ensinou sobre isso? Ele mesmo – o gato.

Aos poucos fui mudando minha rotina à maneira dele. Alguém me perguntaria se eu não tentei me impor um pouco, mostrar quem era a dona da casa. Mas, carões aos berros e borrifadores de água que serviriam pra disciplinar qualquer cachorro não surtiam nenhum efeito para um felino seguro de si.

Essa espécie tem muito o que nos ensinar. Não só pelo motivo de não se dobrarem às nossas vontades, mas também por conta da personalidade forte, uma mistura única de carinho e, quando necessário, extremo espírito de luta. Todos sabemos o quanto eles são estridentes quando querem acasalar ou defender território. Ao menos o meu falecido amigo era assim e o Bola não era diferente.

Uma semana antes dele voltar pra casa, achava que tínhamos selado um acordo de paz. Fui fazer minhas atividades domésticas e coloquei um clássico do Frank Sinatra. Exatamente no momento de grande êxtase da canção, quando fala (traduzo):

“E pra que serve um homem, o que ele tem?

Se não ele mesmo, então ele não tem nada

Para dizer as coisas que ele sente de verdade

E não as palavras de alguém que se ajoelha(...)”

Escuto um som gutural de alguém vomitando. Era ele colocando pra fora um belo aglomerado de pelos no chão que eu havia acabado de limpar! E o clássico termina em minha caixa de som bluetooth, única companheira de minha tv: and did it “miau” way.

Andréa Agnus
Enviado por Andréa Agnus em 30/08/2019
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