O GUARDIÃO DO ESTALEIRO DO GUARAÚ

Eram máquinas robustas. Uma perto da outra, com alguma distância para facilitar o manejo.

Tintas, cordas, pregos de vários tamanhos, formas e liga, em suas caixas de papelão grosso.

Tábuas planas, coloridas naturais, cada uma com seu odor característico (ipê, pinus, peroba rosa, cedrinho).

O pó, que essas máquinas produziam, formavam a cobertura do piso. Uma maciez ao pisar. Ficaram firmes com o tempo. Um tatame natural. E o aroma do corte enchia o ar de suaves fragâncias.

Desde a manhã até o fim do dia, gritavam as serras, tupias e furadeiras, plainas, desengrossadeiras, serras de fita, serras circular e guincho.

O som ritmado das batidas anunciavam a construção da embarcação. Esqueletos preenchidos por piche, estopa(ou calafeto) e estopa de algodão.

O forno rústico recebia, em sua grande boca negra, a tábua, que em vez de ser comida ou queimada era entortada, para estabelecer o casco abaulado.

Esse forno, caixa comprida de madeira, era aquecido com água quente de um tambor. O vapor dançava por um cano até a tábua ser aquecida.

O calor era tanto que a tábua suava, ficava mais maleável.

Aí entravam em ação outras ferramentas, grampos e sargentos. Que, com firmeza, davam molde, sem prescindir das mãos e olhares atentos do guardião.

Na inauguração, rolos de madeira conduziam a bela dama até seu leito nupcial.

Protegida. Por todos os lados, lá se ia com música especial de casamento. Vozes que bradavam energia, e o marular sereno das águas.

Agora ela reconhecia sua nova casa. Onde moraria até o fim de sua vida, elevada pelo novo ritmo de sons.

O guardião embebia suas lágrimas. Não lhe era fácil deixar ir sua cria. Bem sabia que aquele momento chegaria. Para acalmar seu coração, vinham as bebidas e os peixes assados, como festa de pai pra filho.

A despedida seguiria silenciosa por mais uns dias. Até a formosa dama anunciar seu afastamento do cais improvisado.

As margens estreitas ficariam pra trás. Seu destino era o mar. O mesmo mar em que navegara seu guardião.

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Texto em homenagem ao meu pai – O espanhol Albino.

Apoio de termos de ferramentaria de meu irmão DANIEL.

02/setembro/2019

Alma de Poeta

Milena Medeiros

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Enviado do Bloco de notas rápido

Milena Medeiros
Enviado por Milena Medeiros em 22/09/2019
Reeditado em 04/04/2020
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