QUANDO EU PROCUREI PELAS FLORES...

Fazia tempo que não nos víamos, amigas que somos há tantos anos, embora mais de duas décadas se intercalem entre as nossas chegadas ao mundo.

Amizade de verdade independe do tempo das distâncias das vidas e foi com ela que tive a garantia desse grande aprendizado.

Eu lhe devia uma visita.

Não foram poucas as vezes que, no sufoco da vida, eu lhe procurei para me aconselhar sobre as adversidades inesperadas ou para lhe contar e dividir a alegria das nossas grandes novidades.

Ela, dona duma elegância ímpar e duma gentileza incomparável, sempre tinha no seu delicado tom de voz a palavra mais certa e suave, a colocação mais sensata,o alívio para aquelas dúvidas e angústias que vez ou outra acometem a todos nós.

Quando lá eu chegava, após tocar a campainha musicada e a desfrutar da delicada ambientação dum aconchegante hall de entrada decorado com aqueles objetos garimpados nos tempos, ela me recebia com um sorriso largo a sempre exclamar:"minha querida, que prazer ver você por aqui!".

Sua colaboradora do lar, já nossa amiga há quase vinte anos, também me recebia com calor e festa.

Seu marido, conhecedor da intimidade das mulheres amigas, sempre nos deixava a vontade pelos nossos burburinhos.

A mesa, colocada com o maior capricho daqueles que sabem valorizar as pequenas grandes tradições de família, já nos aguardava com todos os quitutes para o almoço, acomodados com exatidão junto à faiança, todos sobre um toalha de linho impecavelmente engomada e com detalhes em belíssima renascença, coisas lindas artesanais da sua cidade natal do nordeste brasileiro.

Na mesa de centro da sala de estar nunca faltava o elegante e altivo vaso de porcelana pintado a mão, aura complementar do ambiente, sempre repleto de flores, de variedades arranjadas na beleza dum buque exótico, arte floral que fazia com suas mãos e que me extasiava como criança que olha para os detalhes dum brinquedo novo.

Eu prontamente clicava a oferta aos olhos com o meu celular e sei que fiz um enorme jardim das nossas tardes de boa prosa e sonoras risadas, inclusive.

Dessa vez toquei a campainha já sabendo que o cenário mudara.

Acelerei o coração.

Ela me recebeu com a mesma alegria e surpreendentemente ainda lembrou do meu nome.

Conversamos bastante.

Vez ou outra lembrava dum ou doutro rosto perdido no tempo, ou de algo que fez parte da nossa história e várias vezes me perguntava sobre eles e seus fatos.

Respondi com idêntico carinho, mesmo às perguntas repetitivas que insistiam em reverberar a busca incessante pela memória recente já bem dificultada.

Ela fazia um esforço enorme para se manter coerente e relaxava com as mesmas histórias que nos faziam sorrir.

Contudo, senti que o ar do todo estava diferente...

Almoçamos como de praxe, brindamos o nosso cafezinho de sempre e o tempo, que nunca dá trégua sequer por um momento para acalentar seu estrago, logo balançou a cortina da sala e sem pedir licença entrou pela mesma janela das tardes, em meio ao relento dum verde semitonado lá de fora sob as nuanças de névoas dum cinza que não sei explicar...só o sei sentir.

Ali, por um só instante desejei ter um coração de pedra.

Foi quando procurei pelas flores...e entendi o porquê delas já não estarem mais ali.