O BARBEIRO PASTOR

Ouve um tempo em que o corte de cabelo, pelo regulamento, dos militares era: oficiais “meia-cabeleira”; subtenentes e sargentos “meia-cabeleira baixa", e cabos e soldados era “cadete”, mas os barbeiros dos quartéis não seguiam a risca o corte determinado aos cabos e soldados, pelo espírito de camaradagem e pelas vistas grossas dos superiores hierárquicos.

Na sexta-feira, véspera do feriadão de carnaval, o soldado Aparício foi à barbearia das praças preparar-se para as folias de momo. Aguardou a sua vez, sentou-se na cadeira e não disse nada ao Cabo barbeiro Gaudêncio. O papo rolava solto entre as praças que esperavam a sua vez de ser atendido. O barbeiro era o que mais falava. Usava a palavra como se estivesse dando instrução aos soldados. O assunto era sobre religião. Desavisado, o soldado Aparício entrou no assunto e foi logo soltando verbo contra os padres e pastores, visto que não acreditava em conversa de salvar almas e cultos aos domingos.

O cabo Gaudêncio, após algumas palavras, calou-se. O assunto continuou e o soldado Aparício era o dono do assunto. Gaudêncio após alguns preparativos, pegou a máquina de cortar cabelo, regulou a lâmina no corte zero, e pelou a coruja do soldado Aparício, deixando somente um espanta mosquito na testa do ingênuo soldado.

Desiludido pelo corte recebido e, por não poder reclamar ao cabo, que além de superior hierárquico, estava cumprindo o regulamento sobre o corte realizado, foi embora para os festejos momescos como se fosse um “recruta zero”, mesmo que ele já contasse com mais de dois anos de praça. E naquela época, o corte “zero”, estava sendo usado somente nas escolas e na academia.

Passado alguns dias Aparício comentou com um sargento sobre o caso do corte de cabelo, que recebeu do Cabo barbeiro Gaudêncio. O sargento lhe disse que aquele barbeiro não costumava fazer isso com os soldados, pois era um homem de bom coração. Achava que alguma coisa havia chateado o barbeiro. Foi quando o soldado Aparício disse que não havia acontecido nada, somente que falaram sobre religião. Então o sargento disse: mas religião era o forte do Gaudêncio, ele é pastor de uma igreja. Foi neste momento que tudo ficou esclarecido para o soldado. O barbeiro pastor ficou ofendido com o que o soldado Aparício havia dito, e resolveu somente cumprir o regulamento, sem dó nem piedade do soldado incauto.