VICIADO EM LIBERDADE

Fui criado com liberdade, na Vila Brasilândia, periferia de São Paulo (SP), correndo pelas ruas de terra, furando o pé em pregos, jogando bola no campo do Bacia, subindo morro e caindo pras baixadas, indo pro mato, entrando em córrego.

Fui feito de espaços, de brincadeiras de pipa e salva-lata, fazendo guerra de mamona com estilingue, jogando pião, bolinha de gude, fazendo amizades aos montes, andando em turma, arrumando confusão.

Briguei de turma, apanhei na rua e cheguei em casa calado, senão apanhava mais, quando aprontava, minha mãe me batia de vara de arbusto. Doía mas não marcava, logo passava porque era tudo por amor.

Fui trabalhar cedo, marmita na malinha, office boy, andava muito, ia todo dia da Praça da República à Moóca a pé, pra economizar na condução, matei dinheiro de táxi, indo de busão, fiz pequenas coisas erradas e outras próprias de moleque de periferia.

Adolescência foi mais zoeira, cinema, bailes, namoradas, muitos amigos, depois viagens. Peguei gosto pelas liberdades todas, de amanhecer na praia, de pôr a cara no trem, São Paulo-Peruíbe, toda semana, depois pelas liberdades democráticas que não havia então, e lutei por elas nas ruas.

Como diz o poeta Sergio Vaz, meu peito é cheio de pássaros, por isso não me dou bem com gaiolas, regras rígidas, militarismo, ditadura e inflexibilidades em geral. Não tenho recalques, preconceitos, só um pouco louco-beleza, gosto de flores, pássaros, cães e crianças.

Só não pensei que ficaria preocupado, de novo, com democracia e liberdade, mas é assim mesmo: eles vêm com metralhadoras, brutalidade, racismo, preconceitos, a gente vai com poesia e alegria - pois esses caras são tristes, cheios de recalques e mágoas e não suportam o nosso peito livre