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E NÃO É QUE ENCONTREI O TINTINO.

Conheci o Tintino na minha pré-adolescência, quando ainda nas festas de fim de ano se colocava folhas de pitanga soltas no chão junto a farelos de areia branca previamente buscada no areal de Zeca Piloto, lá na Vileta, junto à Fábrica Souza Cruz.

As folhas de pitangueira eram para mim uma atração quando mulheres negras passavam mercando, quase cantando, com enormes galhos sobre os ombros. Não sei de onde vinham, apenas gostava de vê-las a cantar o seu produto, enquanto os interessados corriam para comprar.

Na verdade, tudo isto era para virada de Ano. Um rito que as pessoas levavam a sério. Primeiro passava-se cera no chão da casa – as que possuíam enceradeira, eliminava o esfregar com um pano. Depois disto, colocava-se uma esteira comprida para o passar das pessoas na casa, obviamente depois de ter espalhado as folhas pelo chão junto com pequenas poções de areia. A casa ficava cheirando que era uma beleza.

O Tintino não sei bem explicar jogava bola no campinho do carvoeiro, lá no Areal do Zeca, e vigiava a retirada de areia, que as pessoas buscavam com latas grandes. Ele dizia que vigiava para que não retirassem a areia para fins comerciais. O que me chamou a atenção fora o seu nome, que nem sei se era apelido ou sobrenome. O seu irmão jogou bola comigo e, estas eram as lembranças que tinha do Quintino, que sumiu da minha memória.

Pois é, encontrei o Tintino quando fui chamado pelo cantor e compositor Carlos Pita para desenvolver um trabalho cultural na Chapada Diamantina. Ele era o motorista de Pita e em vista de circularmos por toda a Região tive então a oportunidade de tirar a dúvida que tinha sobre o teu nome. Pita chamava-o de Seu Manuel, eu pelo contrário, só o chamava de Tintino.

Mas, por que estou surpreso hoje por ter encontrado o Tintino? Digo, reencontrado.

Encontrei-o na esquina do armazém do Cortizzo, sentado a conversar com antigos boleiros do bairro, a contar façanhas futebolísticas vividas nos campeonatos de praia. Saudei-o como faço com os conhecidos de antanho. Ele se levantou para apertar minha mão.

Tintino é alto como o pai dele, que deu origem ao nome “Tintino”, apenas mais claro, quase sarará. Forte, e um pouco desengonçado no andar, tal o tamanho dos pés, no entanto, a cabeça pequena encimada por um chapéu que a deixava boiando.

Percebi que falara comigo sem lembrar ao certo quem eu era. Refresquei a sua memória e falei de Pita, de D. Maria, entre outras coisas, que soaram distantes para ele. Houvera alguns momentos neste conversar que se percebia incoerência nas lembranças entrecortadas sempre com divagação e silêncio. Voltou Tintino repentinamente a se lambuzar com a manga espada que tinha na mão quando o reencontrei...

Pita, o músico sob o qual trabalhara, dizia que Tintino houvera se apaixonado por D. Maria, a dona do pequeno hotel que nos hospedara, casada com seu Antônio, um ex-vaqueiro, que se sentava à porta do hotel com as pernas cruzadas e o olhar do tempo na distância. D. Maria muito ágil comandava tudo desde o tempo em que vendia comida na feira, nas madrugadas de Iraquara. Forte e determinada comandava uma cozinha muito apreciada e pequeno hotel. Sempre achei estranha a admiração do Tintino por ela e me perguntava se aqueles olhares trocados no salão de refeições, que era um restaurante na verdade, não eram vistos por seu Antônio na sua mudez bizarra, como uma escultura na porta do hotel. Pita afirmava que ela correspondia aos olhares e obséquios do Tintino. Na verdade, nem sei exatamente se houvera um romance entre os dois...

Aquele era o momento para matar a minha curiosidade, tentei lembrar ao velho motorista de Pita o assunto, mas, ele ficou a chupar sua manga. Lembrou-se apenas de ter pulado de tirolesa na Pratinha, uma fazenda de atrativos lá da Chapada.

Tintino apenas se lembrou de ter pulado de Tirolesa.

Fiquei sem saber exatamente sobre este romance. Acho que só aconteceu na cabeça do Pitta.

Tintino chupava sua manga como um menino guloso.

Fui embora a pensar.