Trema, apedeuta
 
Há dias, ao publicar mais um de meus textos, recebi uma notificação de um de meus poucos leitores alertando-me que utilizara “tremas”, aqueles dois pontinhos displicentemente postados, entre outros, sobre os “us” de algumas palavras escritas após as letras “g” e “q” , indicando uma pronuncia diferenciada, o que em seu entendimento não era correto, já que haviam sido extintas e não mais admitidas pela nova ortografia e inadmissível para quem se propõe a ser um escritor.
Pacientemente como sempre o sou nessas ocasiões, expliquei-lhe que tinha pleno conhecimento dessa nova imposição que nos foi impingida por um apedeuta e que as utilizava de forma consciente, mesmo sabendo que transgredia as novas normas didáticas, contra as quais me insurgia principalmente por ser um pseudo poeta adentrado em meus setenta e quatro anos bem vividos e o Estatuto dos Idosos me concede tal privilégio no parágrafo da senilidade, se não me engano.
Inicialmente e, confesso, com o propósito de sensibilizá-lo, ponderei sobre a beleza daqueles dois pontinhos que me acompanham desde os primeiros dias de minha vida e cujo carinho adivinha do amor a minha saudosa mãe que solenemente os portava sobre o “i” do próprio nome, indicando que ela era especial e se chamava “Zoraïde” e não “Zoraide” como tantas outras. O que a fazia ainda mais especial. Suprimindo-as, estaria negando sua própria existência e toda uma convivência de amor seria apagada, deixaria de existir, o que certamente me causaria profunda dor, com o que, tenho certeza, todas as irmãs concordam, mesmo as que fingem não se importar.
Por não satisfeito em seu intento de me desmerecer, persisti ponderando sobre a “conseqüência” (com tremas) de nossos atos pela indefectível lei do retorno que rege nossas existências e que faz com que provemos do próprio bem ou mal que espargimos em nossas passagens pela vida, tornando-nos felizes ou infelizes, “freqüentemente”.
Como um bardo, discorri sobre o significado de coisas simples e que repletaram nossas existências como o singelo sabor de uma mera “lingüiça” frita em álcool em um pires como fazíamos quando crianças, o qual seria inteiramente diverso assim não fosse gravada com “tremas”, o que far-me-ia desprovido dessas doces lembranças que hoje ainda me emocionam.

Por isso, por tudo isso, em uma resistência para não ser um desmemoriado e contrariando os preceitos que tentam me impor, continuarei até o fim de meus dias a utilizar tremas em meus escritos, permanecendo eternamente criança.

TREMA, APEDEUTA!!!
LHMignone
Enviado por LHMignone em 14/01/2020
Código do texto: T6841518
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