O SEM-NOÇÃO

O sem-noção confunde roteiros, bulas e rotinas. É um tipo de autista, sem esse diagnóstico formal. Erra em coisas triviais e em outras, complexas, deita e rola. Arrasa. O sem-noção vive surpreendendo com reações adversas ao entorno, recebe entulhada de vaias quando esperava aplausos de pé. E vice-versa. Por conta da sua peculiar capacidade de dissimulação, consegue sobreviver entre feras famintas e, pasme, acaba ocupando seu lugar ao sol. É resiliente nos desafios, vai fundo no que acredita e luta até o fim pra chegar aonde quer. Tenacidade e certa capacidade tática se sobrepõem às suas derrapadas de conduta, aos vendavais que tem que conviver a cada novo passo. Pode-se dizer que é herói, diante das infinitas guerras em que se embrenhou e saiu ileso, mesmo ferido nunca desistiu de lutar. O sem-noção tem tesouros não explorados e capacidades pouco assumidas que podemos chamar de reserva técnica, que faz aflorar quando a situação exige. É fruto torto, rebarbado, surrado. É criatura estranha, bizarra até, que destoa do restante da cria. Vai cumprindo o que a vida lhe impõe com certa subserviência, com certa humildade, com certa voz domada. A velhice só o torna mais sem-noção, desarmando seus trunfos sem pedir licença. Um dia vai morrer e seu legado muito tempo depois será ovacionado ou detonado de vez, quando forem capazes de entender as nuances que estavam encravadas em cada fio do seu respirar.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 17/01/2020
Reeditado em 18/01/2020
Código do texto: T6843921
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.