Roberto Bolaño: o espírito da escrita selvagem

Ser maior que o País onde se nasce, é próprio dos génios. Só eles conseguem ter uma obra do tamanho do mundo. Foi o caso de Roberto Bolaño.

Quase sempre incompreendidos enquanto vivos, são por (norma) glorificados depois de mortos. Denominados de marginais (por não seguirem as normas dos seus pares), de malditos ou loucos, os escritores ditos selvagens quase sempre se guiam pela originalidade dos seus textos.

Foi assim com Kerouac, foi assim com outros, voltou a ser assim com Roberto Bolaño.

Nascido em Santiago do Chile (1953) e falecido em Barcelona (2003) Bolaño representa com perfeição na literatura moderna o ícone do escritor selvagem, marginalizado pelos seus pares e, ao mesmo tempo secretamente admirado pelos mesmos. Viveu a vida como quis, escreveu muito e morreu cedo.

Escrevia para os jornais artigos em que visava (e não pelas melhores razões) os jornalistas. Lutou contra o governo e acabou condecorado pelo mesmo. Insurgia-se contra os editores e estes continuavam a editar-lhe os livros.

Admirador incondicional de Borges, Bolaño insurge-se por vezes com uma ironia corrosiva quando critica o mesmo por ter sido condecorado pelo governo de Pinochet. Acabaria mesmo por ser preso por Pinochet por ter apoiado Allende.

Escritor compulsivo, como o prova a obra 2666 (Quetzal, 2009) onde dá largas à febre da escrita em mais de mil páginas, num puro exercício de originalidade literária evidentemente só ao alcance de alguns.

É, no entanto, em obras como Os Detetives Selvagens (Teorema, 2008) considerada como a carta de despedida de uma geração, que Bolaño surpreende mais. Um gigantesco fresco que cruza tempos e lugares numa narrativa onde a técnica literária surpreende (mais uma vez) pela originalidade. Obra plena de personagens rebeldes e de um alter-ego, inseridos num enorme puzzle de permanente insatisfação e às vezes mesmo de negação, os personagens de Os detetives selvagens parecem condenados a vaguear pelo mundo para todo o sempre, talvez em busca do autor cujo espírito (selvagem) vagueia também ele num mundo que criou. Considerado como o último grande romance da literatura latino-americana no século XX, Os Detetives Selvagens será sem dúvida considerado um caso de estudo num futuro não muito longínquo.

Bolaño pretendia colocar o mundo inteiro nas páginas que escrevia. A vida não lhe deu tempo para isso.

Quando em 1999 recebeu o prémio Rómulo Gallegos, advertiu:

“a literatura é basicamente um ofício perigoso´´