Disseram por aí...

Disseram por aí...

que num passado tardio,

um vírus aprisionou mais de um terço da humanidade em casa,

as pessoas não podiam se encontrar,

as pessoas não podiam se abraçar,

as pessoas não podiam ter intimidade,

as pessoas não podiam se beijar,

as pessoas não podiam sequer apertar as mãos.

Foi um tempo de isolamento e distanciamento social,

um tempo de sensibilidades afastadas,

um tempo que não mensurava a própria durabilidade do tempo,

um tempo infinito,

um tempo perdido,

inóspito de sorrisos leves, amores e calores.

Disseram por aí...

que num passado tardio,

as pessoas se fecharam em casa com medo de lhes faltar ar,

temendo resfriarem-se mortalmente,

enclausuraram-se em streams de filmes e músicas,

tornaram-se dependentes de smartphones,

aparelhos de comunicação por mensagens,

trocando vídeos e fotos tentando não esquecer a ternura,

buscando não dissipar-se da sensibilidade do toque ausente,

clamando por uma cura que lhes devolvesse a liberdade,

vendo seus antepassados sendo ceifados pelo cruel destino,

roubaram-lhes as viagens,

nublaram-lhes os dias quentes na praia ou na piscina,

foi um crepúsculo de humanos que se viram frágeis e falíveis...

Disseram por aí...

que num passado tardio,

não haviam ricos ou pobres na beira do abismo das trevas,

a foice dirigia-se a todos não importando as hierarquias,

mesmo que houvessem ainda céticos, arrogantes e tolos,

o sepulcro os aguardava e por vezes o fogo do crematório,

um adeus sem lágrimas ou despedidas,

na quarentena de vidas ilhadas,

tempos de chuvas intermitentes,

tempos de calor sufocante,

tempos de cólera emocional, depressão e ansiedade,

tempos de desesperança,

quando planos foram adiados ou interrompidos abruptamente,

e ao final só restou o pesar nas memórias dos sobreviventes...

Disseram por aí...