Discurso Tardio.- serie aprendiz III

Era tudo o que ele sabia ser de melhor. Pai! Ou não?

Casou-se contrariando a opinião da família, que desde então o manteve a distância. Eventualmente fora convidado para alguma festa de aniversário ou casamento, mas o tratamento era tão superficial que passou a fazer questão de ignorar. Após o nascimento do segundo filho, a esposa faleceu.

Sua rotina era complexa, acordar, preparar café, uniformes, mochilas, deixar na escola, contratar alguém para ajudar nas tarefas domésticas, e tudo o mais que bem se sabe necessário para educar e formar filhos.

Quem são os filhos vinte anos depois? Pessoas normais! Com virtudes, esforços, falhas e superações: trabalham, estudam e sonham com a própria vida. Ele? Tantas vezes “o cara chato e implicante” que se esforça para manter harmonia na pequena família. Pessoas normais se desentendem, tem momentos tristes, irritação e carências não necessariamente no mesmo momento. Conflitos. Mas o amor ali existe.

Certo dia abriu o coração para um amigo. Sentia-se algumas vezes desrespeitado, outras vezes solitário ou inconveniente. Provavelmente buscasse compreensão, apoio ou até estímulo, no entanto a retórica foi um discurso orgulhoso do grande pai que o amigo tivera: homem austero mas cuidadoso, responsável por tudo que ele (tão respeitado e admirado) era. Fato que se perpetuava afinal também possuía filhos exemplares. O patriarca sábio era exigente e ao contrário de nosso protagonista não “dava mole” sabia administrar suas emoções. Por consequência notava-se tantas virtudes em seus filhos bem-sucedidos e que os respeitaram até mesmo pós túmulo.

Voltou para casa com o coração sufocado. Certamente fracassara. Não se sentia respeitado, necessário, tampouco parecia haver valor em suas suadas conquistas. Talvez, hoje, fosse mesmo o estorvo na vida quem mais amava. Ao chegar em casa pediu pizza e todos jantaram quase em silêncio não fora as insistentes vibrações de mensagens em celulares prontamente atendidos.

Definitivamente falhara na sua missão de ser pai e formar uma família unida e feliz. Permitiu que o menosprezo o dominasse, que a tristeza tingisse seu olhar, que a desesperança desenhasse seu futuro. Cansado de tanto errar, permitiu-se deliberadamente um derradeiro desacerto na dose do remédio controlado.

Durante o cerimonial de cremação o mesmo amigo discursava:

“... seus filhos sofrem a perda irreparável de um alicerce, da luz que tanto admiram, do homem exemplar para eles e todos nós. Companheiro, amigo, dedicado como raros homens conseguem ser. Despedimo-nos hoje do melhor pai que .... “

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Ajude conversando. Uma boa palavra auxilia sempre.

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Letranda
Enviado por Letranda em 20/05/2020
Reeditado em 20/05/2020
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