ELAINE

Rebobinei o filme que está em construção infinita na minha cabeça para um saudoso episódio iniciado em outubro de 2013, lá nas Minas Gerais. Dei o play no “NetBrain” e esse episódio teve início ainda pela alvorada no bairro Serra em Belo Horizonte, a magnífica capital mineira.

Eu, meio jeca, levantei cedo como de praxe nessa época, mas de um jeito um pouco inusitado. O coração palpitava de uma forma estranhamente conhecida já há algumas semanas e permanecia nesse ritmo de badalação. Talvez o motivo fosse um iminente surto de timidez que estava prestes a acontecer dentro de algumas horas na terra da jabuticaba e do ora-pro-nóbis. Pois bem, despedi-me do albergue naquela rua pouco movimentada, rapidamente ganhei a Afonso Pena e a desci por uns bons quilômetros até a rodoviária antes mesmo que o sol arteiro zombasse da minha pessoa com seus calorosos raios.

Entre uma comunicação e outra via SMS fui sendo informado se o encontro ainda se mantinha de pé e recebi as devidas recomendações que me permitiram elaborar a próxima estratégia de ação para aquele quase início de tarde. Fui então enfrentar a urbe e tive meu primeiro contato com a linha 4988, o famoso “Sabará” do ônibus vermelhinho. A condução encostou próximo ao meio fio em frente à Loja Rede e a muvucada, antes mesmo do veículo terminar de fazer sua perspicaz manobra, aglomerou em um reduzido espaço. Embarquei no coletivo já lotado e encontrei uma pequena fresta próximo a poltrona destinada aos cadeirantes onde me enfiei. Alguns instantes depois recebi uma nova mensagem “me avisa quando estiver próximo da Praça de Esportes”. Eu disse “tudo bem, aviso sim”. Onde é a Praça de Esportes? Indaguei a mim mesmo e um leve desespero me fez conferir inúmeras vezes o trajeto por meio do Google Maps. Uma confusão pairava minha cabeça sobre essa rota, sobre o meu destino e uma certa aflição de desembarcar no ponto errado. Conferi e reconferi a rota, mas a única certeza que eu tinha era a dúvida. Até que em um sentimento de coragem arrebatador perguntei para uma senhorita que estava ao meu lado a localização exata da Praça de Esportes, se ela poderia me avisar quando estivéssemos chegando por lá. A resposta foi prontamente positiva e fiquei aliviado, relaxando toda estrutura óssea e muscular do meu corpo. O mesmo eu não poderia dizer do nervosismo que carcomia minha pessoa.

Olhei o celular novamente para verificar se existiam mais instruções relacionadas ao trajeto. Tinha sim. Mais uma notificação, dessa vez solicitando que eu descesse na Praça do Barão, que lá seria o nosso ponto de encontro. Consultei novamente a colega que estava ao meu lado a respeito e foi explicado que seria o quarto ponto depois da Praça de Esportes. Agradeci novamente e segui viagem até o destino informado.

Desci solitário naquela praça, a qual o sol já havia encoberto. O ambiente também estava inóspito, mas as vezes eu conseguia uma companhia momentânea que eram os veículos que cruzavam a avenida. Recebi mais um SMS “chego em uns 10 minutos”. Aguardei pelo tempo, entretanto quase 20 longos minutos se passaram e sobre a pequena ponte metálica de cor amarelada, de frente à pracinha, surgiu uma pessoa. O sorriso eu não sabia dizer se era de alegria, espanto ou mesmo um caso de timidez. Mas deslumbrante vinha aquela garota desfilando pela passagem. Cabelo perfeitamente enroladinho, volume na medida e um negro extremamente vívido. Pensei “Uau!!”. Olhos negros penetrantes, fixos, atraentes...eram uma mistura de delicadeza e sensualidade indescritíveis. Nossos sorrisos se encontraram mansamente e pareciam dizer um ao outro que valeu o tempo esperado e as dúvidas pareciam, momentaneamente, ter caído por água abaixo.

Subimos por ruelas de pedras escorregadias mal colocadas, muitas vezes pontiagudas. Eram características de todas as cidades barrocas interioranas nessa região do “ouro” das Minas Gerais. Ao término daquela ladeira encontramos com a Igreja Nossa Senhora do Carmo e nos acomodamos em uma pequena escadaria imediatamente atrás do templo. Iniciamos um diálogo mais direcionado, mais franco, mas não menos descontraído. Como forma de galantear aquela moça eu havia guardado em meu bolso umas cartas, literalmente. Não me recordo bem, mas acredito que eram o dois de paus e o 10 de copas. Não, não jogamos nem buraco e nem bisca, entretanto aquelas cartas guardavam alguns significados que previamente sabíamos. Joguei as cartas na “mesa”, como uma primeira ação e, de repente, como garoto atrevido e “pra frente”, fui tentar um simples beijinho no rosto daquela nega maravilhosa, mesmo o coração estando perdidamente acelerado. Era o surto de timidez. Não cheguei nem a encostar na pele macia de maçã daquela bochecha meiguinha e fui incrivelmente surpreendido por seus lábios de mel que roçaram e provocaram os meus, num ato singelo do “gostar”. O coração desajeitado com esse desfecho e, lógico, também inusitado, acabou se acalmando e processando todas aquelas informações que eram novas e surpreendentes. Por um deslumbre do momento, os lábios se afastaram, porém queriam provar mais um pouco da doçura de um e do outro.

Esse episódio foi uma intro da primeira temporada de um relacionamento, que esse ano de 2020 está por completar a sétima temporada. Ou como um bom livro, estamos escrevendo o sétimo capítulo nas páginas da vida.

A Elaine, que é essa doçura em pessoa, as vezes de sentimento variável, um misto de emoções, uma mulher genial, um pouco complicadinha, perfeitinha, um amor de pessoa, as vezes chata, possui uma peculiaridade intrínseca que é um segredinho que nunca contei para ela: é uma mulher a qual a companhia me traz as melhores sensações do mundo e faz da minha alma um baú de felicidades.

Espero que essa nossa “série” tenha ainda inúmeras temporadas pela frente, pois teve início com muito sucesso de carinhos e comprometimento.