Riacho

Algumas pedrinhas eram macias e redondas. Outras, nem tanto. Mas o que eu mais amava era a temperatura da água, que trincava meus dedos de menina. Molhar os pés no riacho. Era este o auge da maioria dos roteiros que minha avó traçava, vez ou outra, para visitar a família e os amigos que decidiram não abandonar a vida da roça. Se houvesse um riozinho, um filete cristalino que fosse, eu já sabia que o passeio seria um sucesso.

Pouco tempo de poeira e a gente já era logo recebida por gansos e cachorros, arautos dos quais nenhuma visita passa impune. Do terreiro já vinha o cheiro de café moído e coado na hora, sentenciando que todos eram bem-vindos. Delícia era aquela xícara esmaltada colorida que rodeava os bolinhos, meus quitutes preferidos. De fubá, de chuva, de polvilho. E quando tinha milho assado no forno do fogão de lenha? Aí era a glória.

Sempre do alto do alpendre ou nas cadeiras da varanda que comadres e compadres papeavam sobre o passado, aquele tempo tão bom, como se ignorassem que o presente um dia estaria na mesma categoria. Também preenchiam a pauta da tarde os filhos que se casaram, bebês que vingaram, conhecidos que não voltariam mais. O bom é que enquanto minha avó – já então uma mulher da cidade – suspirava nostalgia e se interava das más e das boas-novas, eu me misturava às crianças locais, estatelando o pé no chão, sem chinelos e sem medo. Era um correr enlouquecido na grama verdinha entremeado por cambotas (que no dicionário sul-mineiro significa cambalhotas). Num fôlego só, a gente colhia jabuticaba, catava coquinho, bebia água da bica, visitava os porcos gordos no chiqueiro, embalava no colo patinhos nascidos quase ontem, apostava corrida com as galinhas, explorava os cupinzeiros, mirava o fundo do poço e, é claro, molhava os pés no riacho. Um vendaval só dissipado quando era divulgada a impiedosa notícia de que a hora de ir embora havia chegado. “Outro dia a gente volta”, prometia minha avó. E o melhor é que voltava.

Ainda hoje, quando me pego namorando de longe as montanhas de Minas, consigo avistar as paredes brancas de cal com janelas de céu desbotado. Parada na porta está a dona da casa, tão digna, hospitaleira, que acena até o carro desaparecer na estrada de terra. Depois entra para retomar a lida, com o sorriso de quem teve um bom dia. E eram mesmo bons, ótimos dias. Os de minha avó colhiam lembranças. E os meus plantavam saudades